Deputados, policiais e representantes da Justiça defenderam mudanças no modelo adotado no Brasil para investigação policial e citaram a necessidade de haver uma troca maior de informações entre as diferentes corporações. O tema foi discutido nesta terça-feira (4) em audiência pública da Comissão Especial sobre Competência Legal para Investigação.
O descrédito no sistema policial brasileiro é grande, admitiram os debatedores, uma vez que o País apresenta mais de 60 mil homicídios por ano e 1,7 milhão de roubos. A criminalidade mata policiais, afeta e afasta a população, empresários e turistas, lembraram os participantes da reunião.
Apenas duas experiências de gestão policial com resultados positivos foram apresentadas. O delegado de Polícia Civil de Santa Catarina Rodrigo Gusso disse que, com uma gestão focada, auxílio da tecnologia e operações de inteligência integradas, a taxa de solução de homicídios no estado alcançou 70%, superando índices de países avançados.
E o coronel Marcos Oliveira, representante da associação dos militares estaduais, disse que o trabalho das forças de segurança do Distrito Federal contribui para que o número de homicídios ficasse abaixo de 20 para cada cem mil habitantes nos últimos quatro anos.
Apesar das experiências positivas, o deputado Aluisio Mendes (PSC-MA) ressaltou que o modelo atual não atende mais à realidade brasileira. “É inquestionável que o sistema está falido. Tive oportunidade do morar no Canadá e era cômico explicar o modelo de polícia brasileira para uma das polícias mais eficientes do mundo. Eles não conseguiam entender”, relatou. “O índice de resolução de SC é de 70%, parabéns. Ela está avançando em relação a outras polícias. Isso é demonstração clara de que algo deve ser feito”.
Também para Marcos Oliveira, o modelo em vigor está desgastado e superado. Um dos grandes problemas, segundo ele, é a falta de troca de informações entre policiais.
“Não há sinergia. Muitos trabalhos são sobrepostos, porque não há integração entre as polícias”, apontou. “Os comandos são treinados para falar que há integração, mas a verdade é que ela não existe. Na quase totalidade, uma polícia não sabe o que a outra está fazendo.”
Além da falta de troca de informações, foram citados como gargalos que afetam significativamente o trabalho policial conjunto: a perda de prerrogativas e poderes, a ausência de continuidade nas ações, problemas entre as corporações, como vaidade e corporativismo, além da “militarfobia” presente na parte da sociedade que critica o empoderamento policial no País.
Outra preocupação discutida é de que forma seria feito o arranjo de mudanças. Na visão dos debatedores, a solução não é só copiar modelos que deram certo lá fora.
“Para a construção de uma nação mais segura, muito já se discutiu sobre a unificação das policias e a desmilitarização das polícias militares. Mas há competências diferenciadas e há um grande medo de dar forma a um enorme sindicato armado no País”, sustentou o tenente-coronel Lázaro Tavares, da PM mineira.
A Constituição brasileira estabelece cinco corporações policiais: Federal; Rodoviária Federal; Ferroviária Federal; Civil; e Militar.
Ciclo completo
Outra questão debatida hoje foi o chamado ciclo completo de polícia, adotado por outros países, incluindo vizinhos. O modelo consiste na realização de todas as funções do trabalho policial, como patrulhar, prender, investigar e dirigir inquéritos, por todas as instituições policiais.
Apesar de defendida por policiais militares, a medida foi criticada por delegados e juízes durante o evento.
O delegado Rodrigo Gusso, da Polícia Civil de Santa Catarina, afirmou que a adoção do ciclo completo na Europa acontece sem sobreposição de atribuições. A adoção pura e simples desse modelo no Brasil seria, na opinião do delegado, um retrocesso e fruto da ansiedade da sociedade, disse.
“O projeto ganha fama porque imputa ao cidadão e à classe política a falsa ideia de um controle policial mais eficaz e célere”, comentou. “Apresenta-se como uma proposta inexequível de queda da criminalidade, como se esse fosse o único caminho, uma solução mágica, legislativa e eficiente.”
O desembargador federal Ney Bello Filho, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, questionou a possibilidade de militarização da Polícia Civil e os riscos que isso acarretaria. O fortalecimento da investigação dentro do modelo militar, destacou ele, poderia ocasionar danos aos direitos humanos dentro de experiências políticas não democráticas.
Para Ney Bello Filho, uma solução para o trabalho conjunto seria estabelecer quais os crimes que podem ter sistema unificado e quais não.
O deputado Hugo Leal (PSD-RJ), que solicitou a audiência pública, lembrou que poderia ser criada por emenda constitucional a possibilidade de delegados optarem por exercer a função de juiz de instrução e garantias.
Informações da Agência Câmara Notícias