Neste carnaval tenho aprendido muito como oficial. Uma frase do Coronel Carlos André, Chefe do Departamento Operacional – DOP, tem me feito entender muita coisa que eu via e não compreendia. Ele tem sempre dito aos oficiais sobre sua preocupação com o policiamento de carnaval, e ele tem razão. Não é fácil comandar um efetivo de carnaval. São vários perfis e culturas juntas em um mesmo policiamento. As vezes uma atitude isolada de um policial pode colocar todo um policiamento a perder, em especial com o uso indevido de uma tonfa ou gás, nem falarei de um possível disparo, pois na PMDF isso tem diminuído bastante.
A teoria do Coronel é bem interessante, para ele: “O policial tem por característica resolver 100% das ocorrências com aquilo que tem nas mãos.” Após ouvir essa frase passei a observar e me lembrar de tudo que vivi até aqui. Realmente ele está correto. Não tendo nada nas mãos fica mais fácil selecionar os meios necessários para sanar o problema.
No início de minha carreira, há quase vinte anos atrás, normalmente nossa primeira opção era o revólver nas mãos, resultado: vários disparos em via pública. Depois com a mudança da legislação, onde agravou a pena por causa de disparos e as discussões sobre uso progressivo da força a tonfa passou a ser o objeto nas mãos dos policiais, o que se via? Manchetes com policiais dando tonfadas em manifestantes.
Vivemos a fase das tasers e as sparks, mas pouco se usou, pois elas davam mais choques nos policiais do que em nossos alvos. Hoje vivemos a época do gás. Quase tudo se “resolve” jogando gás.
Muitas das vezes uma boa conversa estabelece uma comunicação que evita a utilização de outros meios, mesmo os não letais. Ontem vivi uma experiência em um aglomeração em um posto de gasolina, onde em uma situação sob controle com um grupo de foliões, um policial soltou gás no rosto de um casal. Aquela atitude isolada fez uma situação simples se agravar. A turba irritada, e com a razão, quase veio para cima da polícia. Ao retomar o diálogo com eles, retomei o controle da situação. A perda da legitimidade da atuação policial gera sérios problemas. Todo policial tem poder, autoridade e legitimidade para atuar, precisamos conquistar a confiança da comunidade. Se perdemos a legitimidade (que é atuar dentro da lei), perdemos o poder e a autoridade, em alguns casos, alguns perdem a farda.
NÍVEIS DE USO PROGRESSIVO DA FORÇA
O uso progressivo da força divide a ação em 6 níveis. O objetivo é que a força utilizada seja proporcional ao nível de resistência oferecida.
Veja quais são:
NÍVEL 1: PRESENÇA FÍSICA
No primeiro nível, apenas a presença de um policial uniformizado já pode ser suficiente para prevenir um crime, ou evitar ações de pessoas mal intencionadas.
NÍVEL 2: VERBALIZAÇÃO
É a habilidade do policial de se comunicar para resolver o conflito. Este nível de força deve ser utilizado em conjunto com todos os outros níveis.
O objetivo da verbalização é a redução do uso da força e o controle do suspeito. Procure manter a calma, não use palavrões e jamais entre em discussão.
NÍVEL 3: CONTROLE DE CONTATO
Quando as possibilidades de verbalização se esgotarem, o policial pode vir a usar suas habilidades de contato físico para controlar a situação. Neste nível utiliza-se apenas técnicas de imobilização e condução, por isso também é chamado de controle de mãos livres.
NÍVEL 4: TÉCNICAS DE SUBMISSÃO
Neste nível podem ser utilizadas as técnicas de mãos livres adequadas e agentes químicos, suficientes para superar a resistência do suspeito. O policial deve ficar atento a comportamentos mais agressivos, para empregar níveis superiores de força se necessário.
NÍVEL 5: TÁTICAS DEFENSIVAS NÃO LETAIS
Para ganhar e manter o controle do indivíduo, após esgotadas todas as tentativas dos níveis anteriores, o policial pode fazer uso de métodos não letais.
Gases fortes, forçamento de articulações, equipamentos de impacto, e até mesmo armas de fogo, desde que sem disparo com intenção letal, podem ser utilizados.
NÍVEL 6: FORÇA LETAL
Para utilizar o último nível, deve-se respeitar o Triângulo da Força Letal, modelo de tomada de decisão para que se permaneça dentro da legalidade.
Entendo que a mediação de conflitos está intimamente ligada ao “policial do futuro”. E o uso progressivo da força inicia-se com o diálogo. Entender que o que está nas mãos será o primeiro recurso a ser utilizado pode ser um grande passo para minimizarmos certos erros que temos cometidos há anos. Fico feliz ao ver vários oficiais reproduzindo esse pensamento e mais ainda ver que nosso efetivo, em grande parte, tem assimilado. Ainda existem resistências, mas com o tempo perceberão que agir assim é bom para sociedade e para nós, pois estaremos a cada dia fortalecendo a nossa legitimidade e consequentemente o nosso poder e a nossa autoridade, além de conquistarmos a confiança da sociedade. Todos ganham!
Aderivaldo Cardoso – Autor do Livro Policiamento Inteligente: Uma análise dos Postos Comunitários do DF.