Hoje, conforme havia dito, apresento o Cap. I da Monografia sobre o policiamento comunitário e os postos de segurança no DF. Sou de uma escola que acredita na disseminação do conhecimento como uma forma de transformação social. A “revolução” virá por meio do conhecimento, pois quem o detém, possui o poder necessário para transformar as pessoas, isso é a mudança cultural pregada nesse espaço!
Esse capítulo procura situar o leitor sobre as dificuldades de se falar em policiamento comunitário. Estamos longe disso, nossa história recente me desafia a dizer que somente sairemos do campo das idéias (pré-conceitos e conceitos) daqui há uns dez anos, se mantivermos os esforços atuais.
Nossos administradores possuem grandes deficiências para entender que uma filosofia leva muito tempo para ser massificada e que não é normatizando o policiamento comunitário que o fará surgir!
É preciso quebar paradigmas, resistências profundas, que foram colocadas por nós mesmos durante nossos cursos de formação, onde víamos o “paisano” como o “inimigo folgado” que nos questiona a todo tempo!
CAPÍTULO I
A violência e o policiamento comunitário
A população brasileira, nos últimos anos, tem mergulhado no sentimento de insegurança e de medo, para Marcineiro e Pacheco (2005) a preocupação da sociedade as questões relacionadas à segurança pública é cada vez maior. O que antes era apenas uma questão preocupante nas grandes metrópoles brasileiras passou a fazer parte do nosso cotidiano. Para eles, o farto material divulgado na imprensa dando notícia de acontecimentos nessa área tem causado apreensão nas comunidades.
Os meios de comunicação divulgam, todos os dias, a ocorrência de inúmeros crimes, e, mesmo que não sejam as vítimas da ação criminosa, ainda assim as pessoas sentem a sensação de insegurança produzida por essa ação. (Marcineiro e Pacheco, 2005:17)
Isso tem exigido uma resposta urgente do Estado, pois a sociedade cobra das instituições policiais a solução dos problemas que geram insegurança, normalmente, acreditam que a ação policial, por si só, é capaz de eliminar a ocorrência dos delitos, esquecendo-se das causas econômicas e sociais que levam estes fatos a acontecerem (Marcineiro e Pacheco, 2005). O problema ocupa o centro das preocupações de todos nós e atravessa a sociedade de um nível a outro.
O despreparo de agentes policiais, devido à formação deficitária proporcionada pelo Estado, transforma aqueles que deveriam ser protetores da população em “vilões fardados” . Ou seja, que se utilizam da força contra aqueles que não têm como se defender, gerando insatisfação da população e uma disputa de poder entre policiais e bandidos que se reflete na sociedade que deveria ser protegida.
Os policiais que atuam em nosso país tiveram sua formação no auge da ditadura militar, principalmente os agentes militares. A maioria desses policiais hoje ocupa cargos de chefia e comando, o que faz com que o pensamento da época seja disseminando e perpetuado nas polícias. A experiência policial nos mostra que o uso da força excessiva e a indução por meio de provas ilícitas ainda são uma realidade. A inteligência policial insiste em controlar os movimentos sociais infiltrando agentes nesse meio, como faziam nos tempos de ditadura, e a falta de controle externo das polícias aumenta a impunidade. Vários são os conflitos existentes nas corporações.
A todo instante ouvimos os termos conflito e violência, mas afinal o que significam esses termos? Para Simmel (1983) o conflito é uma forma de sociação destinada a resolver problemas de dualismos divergentes, nesse caso, ela é a forma pela qual os indivíduos constituem uma unidade para satisfazerem seus interesses, sendo forma e conteúdo, na experiência concreta, elementos inseparáveis. Dentro de seu pensamento o conflito é uma forma de estruturação da sociedade, exerce uma função social, ele trás à tona as divergências internas, sejam elas mascaradas ou dissimuladas, pois ele estrutura as relações culturais coletivas e cria a identidade social.
Quando o conflito é simplesmente um meio, determinado por um propósito superior, não há motivo para não restringi-lo ou mesmo evitá-lo, desde que possa ser substituído por outras medidas que tenham a mesma promessa de sucesso. Mas quando o conflito é determinado exclusivamente por sentimentos subjetivos, quando as energias interiores só podem ser satisfeitas através da luta, é impossível substituí-la por outros meios; o conflito tem em si mesmo seu propósito e conteúdo e por essa razão libera-se completamente da mistura com outras formas de relação. Tal luta pela luta parece por um certo instinto de hostilidade que às vezes se recomenda à observação psicológica. (SIMMEL: 1983:134)
Outros autores discutem o tema por outro ângulo e acabam dando várias definições para a violência. MICHAUD (1989) tenta definir tanto os estados quanto os atos de violência, para ele:
há violência quando, numa situação de interação, um ou vários atores agem de maneira direta ou indireta, maciça ou esparsa, causando danos a uma ou várias pessoas em graus variáveis, seja em sua integridade física, seja em sua integridade moral, em suas posses, ou em suas participações simbólicas e culturais. (2001:10 – grifo nosso)
Com base nesse conceito podemos afirmar que a violência está presente em todos os nossos atos e é visível todos os dias, mas existe uma dificuldade de dar a visibilidade e a real dimensão de praticamente todas as formas de violência. Isso nos faz afirmar que grande parte dela está “camuflada”, para usar uma palavra do jargão policial. E ela se complica ainda mais quando se trata da violência policial, que está presente em todas as cidades brasileiras. Em especial, porque quase sempre se apresentou como prática legítima e legitimada. No Distrito Federal, basta andar pela cidade à noite ou ver os noticiários para observar essa realidade. Mas o que justifica isso? A formação profissional alicerçada numa forte base militarizada pode ser um dos reflexos, pois o militar ainda vê o “paisano” como um inimigo a ser combatido, e não protegido. A Polícia Militar do Distrito Federal é uma das melhores do país nos quesitos: salário, formação intelectual e formação profissional, mas ainda no DF constatam-se várias denúncias de violência policial.
Mesmo tendo bons salários, em comparação a média nacional, uma boa formação profissional e intelectual, pois grande parte do efetivo possui nível superior, encontramos várias denúncias de violência envolvendo policiais no Distrito Federal. Por quê? Acredita-se que muitos desses casos estejam diretamente ligados à formação militar. Ao observarmos os noticiários no DF percebe-se que, em sua maioria, os casos que mais repercutiram na mídia envolviam policiais militares do Batalhão de Operações Especiais (BOPE), Unidade da Polícia Militar do Distrito Federal mais militarizada dentro da instituição.
A situação da violência policial está retrata também no filme, Tropa de Elite (2007). Ele nos traz uma visão dessa realidade violenta ao levar para ficção o que ocorre na realidade dos quartéis das polícias espalhados por todo o Brasil e nas ruas das diversas cidades do país. Não é bom para o Estado que haja uma polícia violenta, onde policiais torturam no afã de serem heróis. Deveríamos nos perguntar se os fins não justificam os meios? Ou se de fato os policiais são preparados e estimulados a utilizarem apenas as práticas legais? Em um estado democrático de direito, aqueles que estão à margem da sociedade devem ter o direito de se defender. Caso contrário, voltaríamos aos tempos dos suplícios , onde a sociedade aplaudia as penas físicas e as execuções em praças públicas.
Quando falamos em violência policial não podemos dissociá-la da violência política, pois a polícia e a política estão intimamente interligadas. O Estado é estruturado para controlar os indivíduos e suas ações dentro do grupo.
A ação da polícia política tornou-se fundamental para o Estado autoritário que se constituía na década de 1930 no Brasil. Através da ação específica e da tentativa de especialização do órgão policial político foi possível a edificação de uma sociedade na qual as diferenças ideológicas se superpuseram às diferenças sociais e étnicas, que foram prioridades em períodos anteriores (…). A eficiência policial era medida pela sua capacidade de exercer o controle social, disciplinar a população e coletivizar as atitudes. (PEDROSO, 2005:143)
O Estado está tradicionalmente no centro das atenções quando analisamos a violência. Weber, um dos clássicos da sociologia, defende a idéia de que o Estado e a violência estão interligados. Além disso, o primeiro deve deter e reivindicar para si o “monopólio da violência física legítima” de forma tal que passe a ser a “única fonte de direito de usar a violência”. Todavia, nos tempos atuais essa perspectiva tem sofrido mudanças. Para Wieviorka (1997) é cada vez mais difícil para os Estados assumirem suas funções clássicas. O monopólio legítimo da violência física parece atomizada e, na prática, a célebre fórmula weberiana parece cada vez menos adaptada às realidades contemporâneas. Ele afirma que onde o Estado é mais antigo está ocorrendo um enfraquecimento e onde é mais recente ele freqüentemente encontra-se corrompido, ineficaz, deslegitimado, em virtude de suas próprias carências, a ponto de se falar em pane de Estado e ver aí uma fonte maior de insegurança para o planeta.
A fragmentação cultural contribui também para essa tendência geral. Ela torna mais delicada a fórmula do Estado-nação, já que a nação não pode tão facilmente como antes reclamar para si o monopólio ou o primado absoluto da identidade cultural das pessoas reunidas no seio da comunidade imaginária que ela constitui, segundo a expressão de Benedict Anderson (1983): outras identidades se afirmam, exigem ser reconhecidas no espaço público, e os choques interculturais podem transformar-se em guerras comunitárias (WIEVIORKA, 1997:19).
A violência policial, além de uma realidade, também é uma herança cultural, pois a polícia em todos os países surge da necessidade da elite dominante controlar as classes desfavorecidas. De forma simples poderíamos definir cultura como uma forma (jeito) comum de viver a vida cotidiana de um grupo humano, onde se inclui comportamentos, conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes, hábitos, aptidões. Tudo isso pode ser herdado ou adquirido.
Aqueles que se recusam a viver de acordo com as regras seguidas pela maioria de nós, ou se adequar a uma determinada cultura, muitas vezes são vistos como indivíduos desviantes, em sua maioria, são considerados criminosos violentos, viciados em drogas ou marginais, que não se encaixam naquele conceito que a maioria das pessoas teria de padrões normais de aceitabilidade. Nesse sentido a violência contra eles se torna até mesmo justificável.
A não aceitação dos diferentes ou dos grupos socialmente segregados (o que ocorria, por exemplo, na violência policial chamada para acabar com uma manifestação religiosa de candomblé, “coisa de macumbeiro”), agredir travestis, queimar índios em paradas e tantos outros fatos não devem passar desapercebido no campo de estudo da segurança pública, pois esses fatos podem estar diretamente relacionados com a cultura adquirida de determinada parcela da sociedade, assim como à algumas atitudes dos policiais.É comum se lembrar de sua própria realidade ao se discutir o tema cultura. Muitas vezes esquecendo a diversidade cultural existente dentre as várias, sejam elas dentro ou fora de nosso próprio país. Talvez isso possa ser reflexo de uma dificuldade em definir o termo cultura. Fora essa dificuldade, esbarramos ainda no “confronto entre as culturas” onde um se vê superior ao outro, o que podemos chamar de etnocentrismo.
A cultura tanto pode ser herdada quanto adquirida. Tylor (1832-1917) define cultura como:
O conjunto complexo que inclui os conhecimentos, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos adquiridos enquanto membros de uma sociedade, assim ele abrange em uma só palavra praticamente todas as possibilidades de realizações humanas. (TYLOR apud LARAIA, 2004:25).
O que fazer para reverter esse quadro? Como aproximar a polícia da comunidade? A filosofia do policiamento comunitário pode ser utilizada em todas as cidades do DF?
1 – Utilizou-se o termo “vilões fardados” apenas utilizando uma forma do senso comum de ver e identificar os policiais sejam militares ou civis (estes, ainda que não fardados).
2 – Suplício – Segundo Foucault o suplício penal não corresponde a qualquer punição corporal: é uma produção diferenciada de sofrimentos, um ritual organizado para a marcação das vítimas e a manifestação do poder que pune: não é absolutamente a exasperação de uma justiça que, esquecendo seus princípios, perdesse todo o controle. Nos “excessos” dos suplícios, se investe toda a economia do poder. (1987:32)
CARDOSO, Aderivaldo Martins. Policiamento Comunitário no Distrito Federal: Uma análise dos Postos Comunitários de Segurança / Aderivaldo Martins Cardoso – Brasília, 2009.
67 fl: il.
Trabalho de Conclusão de Curso – (Monografia – Especialização) – Universidade de Brasília, Departamento de Sociologia, 2009.
Orientador: Prof. Dr. Dijaci Oliveira
Policiamento comunitário no DF: Uma análise dos Postos Comunitários de Segurança (Cap. I)
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