A Câmara dos Deputados promoveu audiência hoje (4) para discutir as ações de prevenção e combate à pandemia do novo coronavírus no sistema prisional. Enquanto representantes dos Executivos federal e estaduais defenderam as iniciativas por eles realizadas, defensores públicos, juízes e peritos criticaram a assistência dada até o momento e defenderam mudança nas estratégias visando ampliar a proteção de presos e servidores dessas unidades.
O chefe da Assessoria de Assuntos Estratégicos do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça, Diego Mantovaneli do Monte, apresentou dados sobre a pandemia nesse segmento. Conforme informações atualizadas, houve desde o início da pandemia 80 mortes e 12.667 casos confirmados de covid-19 no sistema prisional brasileiro, restando ainda 3.331 casos suspeitos.
O representante do Ministério da Justiça argumentou que a taxa de infecção é de 1,69% entre presos, contra 1,31% na população. A taxa de letalidade (número de óbitos entre os casos confirmados) é de 0,63% nas cadeias, enquanto na população está em 3,44%. Já a taxa de mortalidade (soma de mortes pela covid-19 em relação ao total da população) é de 0,11 em presos, contra 0,45 na população.
“Comparando com outros países, o Brasil tem taxa de infecção parecida com Canadá e Colômbia, abaixo dos EUA. Já na taxa de mortalidade [óbitos em proporção à população] o país fica próximo da Argentina (0,12%) mas abaixo do Canadá (0,33%) e Estados Unidos (0,35%)”, comparou Diego do Monte.
Até o momento, acrescentou, 34.576 foram testados, o equivalente a 4% da população prisional. Entre os brasileiros, o índice é de 0,95%. Em relação à população de risco, há 31,7 mil ocorrências de comorbidades (o dado é por problema de saúde, mas não especifica quantas pessoas) e 10,2 mil idosos. Já a prisão domiciliar abarca 49,7% dos apenados.
Entre as ações de prevenção, o representante do Ministério da Justiça citou as medidas de prevenção e controle recomendadas pelo Ministério da Saúde, medidas progressivas de restrição de visitas, remoção e transporte de presos, priorização da população carcerária nas campanhas de vacinação para outras doenças e envio de insumos, como álcool em gel, máscaras e aventais.
O presidente do Conselho Nacional de Secretários de Estado de Justiça (Consej) e secretário de Justiça de Pernambuco, Pedro Eurico de Barros, elencou entre as providências a decisão conjunta após reunião entre estados e governo federal de fechamento das unidades, que classificou como “acertada”.
Sobre a testagem, reivindicou mais kits de exames de diagnóstico. “O Depen [Departamento Penitenciário Nacional] mandou testes rápidos. Foram importantes. A gente sabe que a pandemia não vai terminar hoje. Precisamos de teste para identificação real dos presos contaminados. Sabemos que o Depen está em negociação para essa liberação”, assinalou.
Sistema prisional
O juiz da Vara de Execuções Penais de Santa Catarina, João Marcos Buch, declarou que a pandemia aprofundou os problemas do sistema prisional, como a superlotação e a falta de condições aos presos e trabalhadores. Ele afirmou que há risco de um colapso do sistema. Ele alertou para os impactos negativos da proibição das visitas.
“Muito do sistema prisional é sustentado pelas famílias. Elas levam alimentação e produtos de higiene. Quando isso foi proibido, os presos começaram a passar fome, frio. Precisamos reavaliar as visitas. Temos que ter diálogo e isso só vai ocorrer se governo federal trouxer este diálogo”, enfatizou.
“Muitas unidades não possuem condições de promover alternativa à visita na modalidade virtual e muitas pessoas ficaram isoladas do mundo externo. Quando a unidade tem tecnologia, a família não tem condições de estabelecer essa visita”, acrescentou a coordenadora geral do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, Bárbara Suelen Coloniese.
A coordenadora de saúde e de tutela coletiva na Defensoria Pública Geral do Rio de Janeiro, Thaisa Guerreiro de Souza, relatou a realidade do seu estado, observando que diversas unidades prisionais não possuem médicos, o que dificulta o monitoramento adequado dos casos e a resposta em caso de agravamento dos casos de covid-19.
“Só descobrimos se pessoa tem ou não covid-19 quando agrava, quando consegue internar, e muitos não conseguem. Além disso, a causa mortis nem sempre é computada, uma vez que muitas vezes a causa nem aparece na certidão. Não temos monitoramento, isolamento rápido, isso só faz com que a gente esteja agindo no escuro.”
Conversão de regimes
Uma das questões trazidas pelos deputados que participaram da audiência foi a recomendação 62 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que sugeriu a conversão para regime domiciliar de presos dentro do grupo de risco. O deputado Capitão Alberto Neto (Republicanos-AM) criticou a decisão. “A recomendação 62 foi muito danosa. No Amazonas, a Vara de Execução Penal liberou 185 presos de alta periculosidade”, comentou.
Já a deputada Natália Bonavides (PT-RN) defendeu a iniciativa e criticou o fato de juizados não estarem seguindo a recomendação. “Tenho uma preocupação com o não cumprimento da recomendação do CNJ. Não é possível que mantenhamos esse espaço como espaço maior de violação de direitos”, ponderou.
O juiz auxiliar da Presidência e Coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF) do CNJ, Luís Geraldo Santana Lanfredi, pontuou que a decisão visou proteger a vida e que a escalada de casos no sistema prisional teria impacto geral uma vez que contribuiria para pressionar o sistema de saúde.
“Diferentemente de algumas críticas de que pessoas estariam sendo soltas, houve cuidado de se enfatizar que as medidas devem levar em consideração o caso concreto, buscando a redução dos riscos em face do contexto local de disseminação do vírus. Não foi constatado aumento de riscos com as liberdades colocadas. Apenas a forma de cumprimento da pena foi alterada”, opinou.