O DF e o IPREV fazem “pedaladas” contábeis e lesam os servidores e finanças públicas, podendo vir a fundamentar o Impeachment de Rodrigo Rollemberg
Trataremos de uma “pedalada”, realizada pelo Distrito Federal e pelo IPREV, que é cometida em diversas unidades federativas e na União. Uma “pedalada” que lesa os servidores públicos e as finanças públicas e que pode, caso não seja corrigida prontamente, redundar em sérios problemas para diversos gestores públicos, em especial para presidentes, governadores, prefeitos e para os gestores que gerem os fundos de previdência da União, Estados e Municípios. Pode ser o fundamento, por exemplo, para o impeachment do governador do Distrito Federal Rodrigo Rollemberg.
O Distrito Federal possui um Regime Próprio de Previdência Social do Distrito Federal, a que são, obrigatoriamente, filiados todos os servidores titulares de cargos efetivos ativos, inativos e pensionistas do Poder Executivo, do Poder Legislativo, do Tribunal de Contas, das autarquias e fundações públicas do Distrito Federal. O RPPS é gerido pelo IPREV – Instituto de Previdência do Distrito Federal, autarquia de regime especial, segundo o artigo 3o da Lei Complementar 769/08.
No contracheque dos servidores públicos do Distrito Federal, todos os meses, é descontada a contribuição social, correspondente a 11% do salário, para financiamento do IPREV. O Distrito Federal é obrigado a repassar ao IPREV o montante arrecadado. A finalidade do IPREV é “dar cobertura aos eventos a que estão sujeitos os seus beneficiários e compreende um conjunto de benefícios”.
Os benefícios que devem, obrigatoriamente, ser custeados pelo IPREV estão estabelecidos no artigo 17 da LCD 769/08. Destacamos a aposentadoria por invalidez, a aposentadoria compulsória por idade, a aposentadoria voluntária por tempo de contribuição, a aposentadoria voluntária por idade, a aposentadoria especial do professor, o auxílio-doença, a licença-maternidade, o salário-família, a pensão por morte e o auxílio reclusão.
Acontece que a totalidade, ou a quase totalidade, dos benefícios acima não estão sendo pagas pelo IPREV, mas sim pelo Tesouro do Distrito Federal, em procedimento irregular e ilegal.
As consequências do pagamento de tais benefícios de forma direta pelo Tesouro do Distrito Federal são relevantes, com destaque para o fato de que o Tesouro está arcando com pagamentos que não dispõe de autorização legal para efetuar e que o IPREV está realizando superávit, que é investido no mercado financeiro e na iniciativa privada, de modo ilegal e artificioso. Não custa lembrar que são crimes de responsabilidade os atos que atentarem contra a probidade na administração, contra a lei orçamentária e a guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos, segundo a Lei 1079/50, a lei do impeachment.
O artigo 11 da Lei do Impeachment diz ser crime contra a guarda e legal emprego dos dinheiros públicos ordenar despesas não autorizadas em lei ou sem a observância das prescrições legais relativas às mesmas.
Efetuar o pagamento de obrigações do IPREV, sem autorização legal para tanto, amolda-se com perfeição ao texto da lei, lembrando, ainda, que o artigo 74 da Lei 1079/50 determina a aplicação da Lei de Impeachment aos governadores.
O auxílio-doença é um exemplo eloquente sobre a ilegalidade. O artigo 273, § 1º, da Lei Complementar Distrital 840/2011, que trata do regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis do Distrito Federal estabelece que “A partir do décimo sexto dia, a licença médica ou odontológica converte-se em auxílio-doença, observadas as normas do regime próprio de previdência social do Distrito Federal”. Na mesma linha, o art. 17, inciso I, alínea “g”, da Lei Complementar Distrital 769/08, que trata do Regime Próprio de Previdência Social do Distrito Federal, elenca dentre os benefícios oferecidos aos servidores o auxílio-doença, a ser pago pelos cofres do IPREV: “O RPPS/DF, gerido pelo Iprev/DF, assegura aos beneficiários que preencham os requisitos legais os seguintes benefícios: I – quanto ao segurado: g) auxílio-doença”.
Ainda, o art. 23 da mesma Lei Complementar Distrital 769/08 dispõe que “Art. 23. O auxílio-doença será devido ao segurado que ficar incapacitado para o seu trabalho por mais de quinze dias consecutivos e consistirá no valor de sua última remuneração. § 3º Nos primeiros quinze dias consecutivos de afastamento do segurado por motivo de doença, é responsabilidade do Tesouro do Distrito Federal o pagamento da sua remuneração.
Conforme os dispositivos, pode-se concluir que: o Tesouro do DF é responsável pelo pagamento somente nos primeiros quinze dias consecutivos do afastamento; portanto a responsabilidade pelo pagamento do auxílio-doença, em decorrência da conversão da licença médica após o décimo quinto dia, é do Instituto de Previdência Social do DF; o valor a ser percebido a título de auxílio-doença consistirá no valor da última remuneração do servidor.
Como acontece na prática?
O servidor público do Distrito Federal, de posse de atestado médico recomendando o afastamento para tratamento de saúde, comparece ao setor de perícias médicas do Distrito Federal. O atestado de até 30 dias é homologado por um médico perito. Depois de tal prazo, os atestados são homologados por uma junta médica, composta por três médicos. Nos primeiros 15 dias, em tese, a remuneração é paga pelo Distrito Federal. Depois de 15 dias, deveria passar a ser paga pelo Instituto de Previdência do Distrito Federal – IPREV -, porquanto convertida em auxílio doença.
O auxílio doença, segundo o preceito normativo contido no artigo 48 da Lei 8541/92, fica isento do imposto de renda. Diz a lei: Art. 48. “Ficam isentos do imposto de renda os rendimentos percebidos pelas pessoas físicas decorrentes de seguro-desemprego, auxílio-natalidade, auxílio-doença, auxílio-funeral e auxílio-acidente, pagos pela previdência oficial da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e pelas entidades de previdência privada. Redação dada pela Lei 9.250/95”.
Para obter a isenção do Imposto de Renda, diversos servidores públicos estão recorrendo ao Poder Judiciário. Ao responder as demandas, o Distrito Federal e o IPREV informam que incide o Imposto de Renda, porque, apesar da lei determinando que o IPREV efetue o pagamento, quem, de fato, arca com a despesa é o Tesouro do Distrito Federal.
O IPREV sustentou, perante o Tribunal Pleno do TJDFT, que custeia apenas o pagamento de aposentadorias e pensões, todavia, tal alegação é contrária aos termos da lei e pode, em última análise, estar servindo a uma espécie de “pedalada” contábil e contribuindo para a deterioração das finanças do Distrito Federal.
O Tesouro Distrital está arcando com obrigações financeiras sem autorização legal. A Lei Complementar Distrital 769/08 estabelece que “Nos primeiros quinze dias consecutivos de afastamento do segurado por motivo de doença, é responsabilidade do Tesouro do Distrito Federal o pagamento da sua remuneração” (art. 23, § 3º). Isso significa, a contrario sensu, que após os primeiros quinze dias consecutivos de afastamento do segurado por motivo de doença, não é responsabilidade do Tesouro do Distrito Federal o pagamento da sua remuneração. Em outras palavras, a lei afirma que a partir do décimo sexta dia de afastamento do segurado por motivo de doença a responsabilidade pelo pagamento é do IPREV, não do Tesouro.
As consequências desta pedalada são deletérias às finanças públicas. Quando o Tesouro do Distrito Federal arca com obrigações do IPREV, infla a sua despesa com pessoal, superando os marcos fixados pela Lei de responsabilidade Fiscal. Diante do extravasamento dos limites prudenciais, não pode contratar servidores que poderiam estar lidando e resolvendo com os graves problemas de saúde, educação e segurança pública do Distrito Federal.
Os benefícios, legítimos, previstos no artigo 17 da LCD 769/08 estão, indevidamente, onerando o Tesouro. Em um paralelo com a iniciativa privada, estabelece-se que o empregado destina 11% de sua remuneração ao INSS para que, quando incidir em uma hipótese de afastamento, continue recebendo do instituto previdenciário. O mesmo acontece com os servidores públicos. 11% dos seus rendimentos são endereçados ao IPREV, para que, quando do afastamento do serviço ativo, receba pelo próprio IPREV.
O procedimento administrativo adotado pelo Distrito Federal prejudica as finanças do próprio Distrito Federal, repercutindo, negativamente, na prestação de serviços públicos. O único beneficiário é o IPREV, que arrecada muito e não despende nada, pois as suas obrigações financeiras são assumidas pelo Tesouro. Por isso o IPREV tem tanto superávit e pode investir no mercado financeiro e em projetos da iniciativa privada, em geral, em grandes empreendimentos.
E aqui reside a principal pergunta e que precisa de uma resposta urgente, que carece de uma análise por parte dos Deputados Distritais e, sobretudo, do Ministério Público e do Tribunal de Contas do Distrito Federal. Por qual razão o Tesouro arca com despesas que são do IPREV? Por qual motivo gasta recursos públicos sem qualquer lastro jurídico, prejudicando a realização e concretização de políticas públicas que beneficiariam toda a sociedade? O Governo do Distrito Federal adota uma postura ilegal e que prejudica o próprio Governo, beneficiando o IPREV, que faz um brutal superávit. Por quê? A resposta, certamente, estará nos investimentos que são realizados pelo IPREV. Quem são os beneficiários dos investimentos financiados pelo IPREV? Será que, coincidentemente, são doadores de campanhas? E a mesma irregularidade acontece na União, em todos os Estados e Municípios.
Enfim, a Lei Complementar 840/2011 (Estatuto dos Servidores Públicos do DF), a Lei complementar 769/08 (IPREV) e a Lei Federal 1079/50 (Impeachment) demonstram a gravidade dos fatos aqui denunciados. Talvez ainda seja possível entender que houve um equívoco na interpretação das leis. De agora em diante, para os que tiverem acesso a este conteúdo, o equívoco não mais se justifica. Impeachment ou correção de rumo?
Grupo de Advogados Especialistas em Gestão das Contas Públicas do DF
Fonte: Blog do Sombra