Se estivesse viva, Clarice Lispector teria completado 100 anos em dezembro. “Clarice, Veio de um mistério, partiu para outro”, como escreveu o poeta Carlos Drummond de Andrade. Muitos são os mistérios dessa escritora brasileira que fez com que o “estranho” na literatura nos parecesse tão “familiar”. Clarice nasceu na Ucrânia, mas chegou ainda bebê em Maceió e se naturalizou brasileira. A autora é tema do programa Caminhos da Reportagem, que vai ao ar neste domingo (20), às 18hs, na TV Brasil.
“O romance dela não é um romance psicológico, que analisa a mente humana para chegar a determinados dados de comportamento, pelo contrário , ela quer escapar daquilo que chama de ‘pensamento’ para atingir o que está ‘atrás do pensamento’, tanto que esse era um dos títulos do livro dela que passou a se chamar Objeto Gritante e depois Água Viva” , analisa a professora da USP Nádia Battella Gotlib, autora da biografia Clarice- Uma Vida que se Conta.
O programa ouviu também Maria Bonomi, um dos maiores nomes nas artes plásticas do país, amiga e comadre de Clarice Lispector. “Ela era extremamente inteligente, uma grande “garimpeira” do outro. Clarice “puxava”, descobria coisas”, contou.
As edições comemorativas do centenário trazem nas capas dos livros de Clarice pinturas que a própria escritora fez. “Ela pintou aproximadamente 22 telas. Segundo pessoas mais próximas, essa atividade era, digamos, um ‘refresco’ para ela. Algo que Clarice gostava, mas que não tinha nenhum compromisso ou busca para se tornar pintora”, disse Teresa Montero, autora do livro Eu Sou uma Pergunta- Uma biografia de Clarice Lispector.
Clarice era ainda uma amante das artes plásticas e amiga de grandes pintores. A questão da “visualidade” também parecia ser uma busca presente para ela no contexto da sua própria literatura. “Muitas personagens de Clarice são artistas, como G.H. (do livro A Paixão segundo G.H.), que é escultora, e também a pintora de Água Viva, disse Benjamin Moser, biógrafo norte-americano de Clarice Lispector.
Uma dessas telas foi dada de presente por Clarice, em 1975, para Maria Bonomi. “O nome é A Matéria da Coisa porque Clarice queria falar sobre a “essência”, a essência de tudo. Então, através da visualidade, ela tenta tocar nessa questão melhor do que com as palavras. Acho que ela procura isso no momento em que pinta”, disse.
A escritora Nélida Piñon, imortal da Academia Brasileira de Letras, outra grande amiga de Clarice Lispector, tem dois desses quadros que ilustram capas das edições comemorativas. Um deles foi dado de presente a ela por Clarice. “Ela faz uma dedicatória e chama esse quadro de Madeira feita Cruz, que é o título do meu segundo romance. Ela me homenageia”, contou. O outro, que pertenceu ao escritor Autran Dourado, morto em 2012, foi arrematado por Nélida num leilão no ano passado. A imagem está na capa da reedição do primeiro romance de Clarice, Perto do Coração Selvagem, publicado originalmente em 1943.
Foi Nélida também que apresentou Carmen Balcells, agente literária de prestígio internacional, à Clarice Lispector. “Ela não tinha ideia do que era uma agente. Eu expliquei com todos os detalhes. Foi a partir daí, sobretudo, que Clarice começou a ter uma independência econômica”. Durante a entrevista, Nélida detalhou, pela primeira vez, como ocorreu essa contratação. Segundo ela, decorrente da preocupação de Clarice em garantir estabilidade financeira para os filhos.