A pandemia de covid-19 mudou o dia-a-dia dos idosos no país. A adaptação ao novo momento, com o distanciamento social imposto pela doença, apresenta muitas nuances e tem escalas variáveis de aceitação. E em um Brasil com cerca de 22 milhões de pessoas com mais de 65 anos, o programa Caminhos da Reportagem deste domingo (13) resolveu focar o assunto e contar histórias e a rotina de alguns destes idosos, seus anseios e de como estão encarando a nova realidade. O programa também ouviu médicos especialistas em terceira idade (gerontólogos), uma antropóloga, e o economista coordenador da pesquisa “Onde estão os idosos – Conhecimento contra a Covid-19”.
Para o coordenador da pesquisa citada acima, o economista da Fundação Getúlio Vargas/RJ, Marcelo Neri, “a pandemia pega o Brasil num momento em que a população de idosos é grande, crescente, mas se fosse daqui a 50 ou 30 anos, o problema seria ainda mais relevante”. Atualmente, os idosos fazem parte de uma parcela da população que cresceu 20% somente nos últimos seis anos. Dados mostram que, em 2050, serão cerca de 67 milhões de idosos no país, representando 31% da população.
No recente estudo da FGV/Rio outro dado chama atenção. A pesquisa mostra que, no Brasil, a proporção de idosos chefes de domicílios é duas vezes maior que a do conjunto da população. “Isso devido às políticas que o Brasil faz de proteção de aposentadoria e políticas de assistência”, explica Marcelo Neri.
É o caso da aposentada Deyse Diele, que cuida do neto desde que ele nasceu. “Eu comecei a arcar com todas as despesas do Ben, desde plano de saúde, vestuário, alimentação. Se eu não tivesse a minha aposentadoria ia ser muito difícil manter o nível que eu tenho com o Ben”.
Para o médico e gerontólogo Alexandre Kalache, com a pandemia do novo coronavírus, a questão econômica ficou mais exacerbada e ele faz um alerta: “Proteja seus velhinhos, porque se ele se for vocês é que vão sofrer as consequências econômicas daquela perda”.
Novas rotinas
Desde o início da pandemia de covid-19, especialistas têm alertado para a vulnerabilidade da população idosa em relação ao vírus. Alexandre Kalache explica que “nós temos, indubitavelmente, uma resposta imunológica – à medida que envelhecemos – mais fraca do que uma pessoa que tenha 30 anos e que não tenha comorbidade”.
Para a poeta, escritora e compositora Dona Tuca, que mora na Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, “Essa pandemia tá maltratando a gente que é velho, esse negócio da gente ficar assim só dentro de casa”.
Já Nalva Nóbrega tem 92 anos e vive em Natal. Para ela, o importante é ocupar a mente nesta fase da vida. Durante a pandemia ela continua fazendo o que mais gosta: “o piano me prende ultimamente. Eu chego a colocar o telefone na estante e toco e ligo para os meus amigos. Pra dizer que estou viva minha gente, estou aqui em Natal, mas tô tocando piano pra vocês”.
De acordo com Alexandre Silva, médico e gerontólogo, quando hoje se fala do idoso vulnerável, é preferível dizer que ele está em vulnerabilidade. “Se você tem um idoso que consegue chegar cheio de saúde, ele não está exposto aos riscos da covid-19 da mesma forma que uma pessoa idosa que não tenha uma boa condição de saúde”, diz.
Recursos tecnológicos
O uso cada vez maior dos recursos tecnológicos pela população da terceira idade é outro tema que se tornou extremamente relevante durante a pandemia. Muitos idosos estão descobrindo um mundo novo, como no caso da atriz Suely Franco.
Reclusa em sua casa em um bairro da zona sul do Rio de Janeiro, ela confessa que ainda tem dificuldade em lidar com a tecnologia. Mas, recentemente, a atriz abriu uma conta no Instagram para postar vídeos. “Uma amiga encheu a minha cabeça porque eu gosto muito de contar piada. Ela que faz tudo, não sou eu. E quando tem alguma outra coisa pra fazer é meu filho que faz”.
Sobre a questão, a antropóloga Mirian Goldenberg afirma que há uma falsa percepção de que os idosos são incapazes de usar a tecnologia. “Eu pesquiso pessoas de mais de 90 anos que usam perfeitamente o celular, a internet, aqueles que têm interesse por isso. E outros não. Não porque são idosos, mas porque não gostam. O que não significa que eles estão isolados, porque eles podem se comunicar com as pessoas que amam por telefone, como sempre fizeram antes da pandemia”.
Sempre com um sorriso largo no rosto, Suely Franco se diverte com suas próprias histórias. “Eu estou sempre falando pelo telefone, porque eu não sei lidar com celular. Celular pra mim é só pra atender. Atender, falar e discar”, completa.