Canetada de Gilmar Mendes trava ações de milhares de concurseiros

Ato suspendeu processos pelo país: só na Caixa, atinge mais de 30 mil. STF não decidiu se competência é da Justiça do Trabalho ou comum

Foto: Daniel Ferreira/Metrópoles

Uma decisão proferida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, no fim de abril, travou várias ações judiciais apresentadas por milhares de pessoas que recorrem de decisões relacionadas a resultados de concursos públicos em todo o país. São, em geral, dúvidas de aprovados sobre a fase pré-contratual por parte de empresas públicas.Os ministros do STF – que ainda não julgaram a questão em definitivo – não decidiram se os casos devem ser resolvidos pela Justiça do Trabalho ou comum.
Relatada por Gilmar Mendes, a chamada Repercussão Geral de Tema 992, atingiu em cheio, entre outros, mais de 30 mil aprovados no concurso de técnico bancário promovido pela Caixa Econômica Federal em 2014, para formação de cadastro de reserva. Para os selecionados, os processos ajuizados por eles não deveriam ser abrangidos pela manifestação do relator, já reconhecida de forma unânime pelo plenário virtual do Supremo.
Segundo o presidente da comissão dos aprovados desse processo seletivo, Jailton Fernades Macedo, dos mais de 1,5 milhão de inscritos para fazer a prova da Caixa, 32.879 passaram. Do total, 29 mil candidatos na ampla concorrência e quase 3 mil pessoas com deficiência (PCDs) foram aprovadas na avaliação.
No entanto, houve a admissão de apenas 2.299 selecionados na modalidade de ampla concorrência e 202 PCDs. “Em algumas unidades da Federação, nem sequer o primeiro colocado foi admitido”, afirmou Macedo. Segundo ele, em 2015, aprovados não convocados ingressaram na Justiça para requerer o preenchimento das vagas e, na medida do possível, tentar solucionar a situação.

Os aprovados no concurso de 2014 da Caixa sentem-se injustiçados, pois já travam uma verdadeira batalha judicial com a estatal desde meados de 2015, quando, em meio a manifestações e protestos, conseguiram do Ministério Público do Trabalho a instauração de três ações civis públicas questionando as ilegalidades cometidas pela Caixa e solicitando a contratação dos aprovados no certame

Jailton Fernandes Macedo, presidente da comissão de aprovados de seleção promovida pela Caixa

Conforme Macedo, ele próprio um dos aprovados não convocados pelo banco, houve acordo coletivo entre o grupo selecionado e a Caixa para elevar o número de cargos na estatal, e, consequentemente, possibilitar a convocação de mais aprovados.
Terceirização
O acordo, segundo ele, não foi cumprido exatamente como os concursados esperavam. O banco público teria demitido cerca de 15 mil empregados nos últimos anos e os substituído por terceirizados e estagiários. Ou seja, os candidatos aprovados na seleção para cadastro de reserva estariam sendo preteridos. Essa situação serviu como principal base para as ações judiciais movidas pelos concurseiros contra a Caixa.
Na avaliação do advogado Renato Bretas, especializado em direito constitucional, o caso das pessoas que se sentiram prejudicadas no concurso da Caixa não deveria ser contemplado pela repercussão geral proferida pelo ministro Gilmar Mendes, pois há divergências entre temas. “A discussão central do tema 992, motivadora do Recurso Extraordinário 960.429, não guarda similaridade com o caso do concurso da Caixa”, afirmou Bretas. Para ele, não há qualquer conflito de competência entre Justiça comum e trabalhista nesse certame.

“Nesse caso, a discussão é estritamente quanto à preterição de candidatos aprovados em concurso para empresa pública que deixaram de ser nomeados em razão da existência de mão de obra terceirizada para desempenhar atividades que caberiam exclusivamente ao técnico bancário”, afirmou o especialista. “Não há qualquer problema em etapa no concurso, não há nulidade, apenas preterição de candidatos por mão de obra terceirizada”, reforçou.

Caso-piloto
De acordo com o STF, a Repercussão Geral de Tema 992 diz respeito à discussão sobre a competência para julgar “controvérsias entre pessoas jurídicas de direito privado, integrantes da administração pública indireta e seus empregados, relativas à fase pré-contratual de seleção e de admissão de pessoal, bem como eventual nulidade de concurso público”.
O chamado leading case (caso-piloto) da repercussão trata de situação referente a um candidato aprovado em certame promovido pela Companhia de Águas e Esgotos do Rio Grande do Norte (Caern). Classificado em 9º lugar e figurando, assim, dentro do total de vagas ofertadas, ele foi nomeado em outubro de 2014.

No ano seguinte, em razão de um inquérito civil instaurado pelo Ministério Público do Rio Grande do Norte para verificar possíveis irregularidades na etapa de experiência profissional da seleção, a organizadora do processo seletivo – Fundação de Apoio à Educação e ao Desenvolvimento Tecnológico do Rio Grande do Norte (Funcern) – reconheceu a existência de um erro na apuração das notas e o resultado foi retificado.

Diante da alteração na pontuação, o candidato em questão, que já estava trabalhando, foi reclassificado e caiu para a 17ª colocação. Esse fator poderia causar ao interessado perda do direito sobre a vaga e afastamento do cargo.

De imediato, é possível notar clara diferença entre o concurso objeto do recurso extraordinário e o da Caixa. Enquanto no primeiro há um possível conflito de competência, no segundo não há qualquer tipo de conflito

Renato Bretas, advogado especialista em direito constitucional

Em linhas gerais, de acordo com Bretas, houve modificação em uma etapa do processo seletivo da Caern, que repercutiria posteriormente na situação do candidato aprovado – quando ele já tinha assinado contrato de trabalho e assumido uma posição em empresa pública.
Nesse caso, o possível conflito de competência surge em razão de ter ocorrido um problema em uma das etapas do concurso, o que levaria a análise à Justiça comum, onde de fato tramitou um processo ligado ao certame. Já os efeitos em contrato de trabalho, que seria extinto por causa da retificação da nota do já servidor –  pois o candidato deixaria de figurar dentro do número total de vagas previsto –, caberia aos cuidados da Justiça do Trabalho.

“Nesta específica situação, é possível a existência de um conflito de competência. A Justiça comum, responsável por apreciar a nulidade no concurso, versus a Justiça do Trabalho, para apreciar a extinção daquele contrato que havia sido celebrado”, acrescentou Bretas.

Já o caso sobre o processo seletivo da Caixa Econômica deveria ser avaliado em outro âmbito, voltou a defender o especialista. “Então, é mais do que evidente a competência para tratar de preterição de candidato por mão de obra terceirizada ser da Justiça do Trabalho. Há vários precedentes do próprio STF, das duas turmas da Corte, nesse sentido”, disse.
Apesar de o caso da Caern ter tramitado em primeira e segunda instâncias na Justiça comum, ainda não houve desfecho do processo por conta da repercussão geral, que tramita no Supremo. O julgamento para definição do futuro de todas as ações suspensas pela decisão do ministro Gilmar Mendes ainda não tem data para ocorrer no STF. Portanto, não há prazos para conclusão das ações movidas pelos concurseiros.
Outro lado
A Caixa argumenta que o concurso de técnico bancário de 2014 foi realizado para composição de cadastro de reserva, sem previsão de vaga ou obrigatoriedade de chamar todos os candidatos. Leia a íntegra da nota enviada ao Metrópoles:
“O concurso 2014, para o cargo de técnico bancário novo, teve vigência no período de 17/6/2014 a 16/6/2016. Foram computados 1.156.790 candidatos inscritos e 32.879 candidatos aprovados, sendo 29.900 na ampla concorrência e 2.979 na classificação específica de PCDs.
Esse concurso foi realizado para composição de cadastro de reserva, sem previsão de vaga ou obrigatoriedade de aproveitamento de todos os candidatos aprovados. A convocação ocorreu de acordo com a disponibilidade orçamentária e as necessidades estratégicas da Caixa. Durante o período de vigência, foram admitidos 2.501 candidatos, sendo 2.299 pela ampla concorrência e 202 pela listagem de PCDs.
A Caixa ressalta que contrata prestação de serviços, ficando a cargo da empresa alocar a quantidade necessária de profissionais para cumprir as definições estabelecidas contratualmente. Os serviços atualmente terceirizados são de caráter acessório, tais como copeiragem, limpeza e segurança, entre outros, não sendo alvo de realização por empregados do banco”.
Fonte: Portal Metrópoles