Em alusão ao Dezembro Vermelho, mês dedicado à conscientização do HIV, aids e outras infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), a Câmara Legislativa do Distrito Federal debateu, na manhã desta terça-feira (3/12), políticas públicas de enfrentamento ao estigma e à discriminação contra pessoas vivendo com HIV/aids no DF. A audiência pública, proposta pelo deputado Fábio Felix (Psol), também discutiu medidas para fortalecer estratégias de prevenção, tratamento e combate à desinformação sobre o vírus e a síndrome.

Durante discurso inicial, Felix destacou que o estigma associado ao HIV e à aids impactam no debate público e na conscientização, dificultando a implementação de medidas de atendimento a esse público. “O estigma é mais difícil de ser mensurado e medido, porque tem um impacto brutal nos resultados da política pública que se quer construir. Ele tem um efeito em relação aos dados que temos hoje a respeito do HIV/aids no Brasil”, disse o parlamentar. 

Felix também ressaltou a necessidade de ampliar a descentralização do atendimento médico para facilitar o acesso à prevenção e tratamento de ISTs no DF. Segundo o distrital, alternativas como baias de atendimento prévio e a telessaúde, uma modalidade de assistência médica à distância já adotada em São Paulo, aumentam o alcance de Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) e Profilaxia Pós-Exposição (PEP), principais medicações de prevenção ao HIV. O distrital reforçou, ainda, a importância da educação sexual nas escolas para maior o conhecimento a respeito do HIV/aids e prevenir abusos sexuais.

 

Testagem e tratamento

 

Beto de Jesus, ativista e diretor da Aids Healthcare Foundation (AHF) no Brasil, —  organização não governamental global voltada para cuidados e defesa de pessoas vivendo com HIV/aids — reforçou que o tratamento imediato a partir da confirmação do diagnóstico possibilitam retardar a progressão do vírus, aumentando a expectativa e a qualidade de vida e reduzindo o número de casos.

“A AHF tem uma preocupação muito grande que as pessoas façam testagem e iniciem o tratamento o mais rápido possível. Quem faz o tratamento e toma medicação de forma adequada, se torna intransmissível e indetectável. Isso é extremamente importante para diminuir o número de infecções”, esclareceu Jesus.

 

 

O diretor da AHF pontuou que a organização tem o objetivo de colaborar com o Centro Especializado em Doenças Infecciosas no DF para ampliar o uso do Sistema de Controle Logístico de Medicamentos, ferramenta de monitoração da distribuição de medicamentos antirretrovirais, possibilitando identificar pacientes que estão abandonando o tratamento. “O trabalho que queremos fazer com a Cedin é avaliar quais são as pessoas que deixaram de pegar o medicamento e resgatá-las para voltarem ao tratamento”, explicou.

“O estigma e a discriminação seguem muito fortes. As pessoas, às vezes, têm muito medo de que a sua sorologia seja revelada e elas ganhem um não-lugar social”, enfatizou Beto de Jesus, ativista e diretor da Aids Healthcare Foundation (AHF) no Brasil. “As fake news, a falta de informação e ataques aos direitos à comunidade LGBTQIA+ e quem vive com HIV, reforçam cada vez mais o preconceito.”

 

Estigma e descriminação

 

Michel Platini, presidente do grupo Estruturação e do Centro de Defesa dos Direitos Humanos do DF, destacou a importância de realizar campanhas de conscientização e prevenção para a população com deficiência, principalmente para as pessoas surda. “A comunidade surda é alvo de muita desinformação e também vítima de um estado que se nega a trabalhar políticas públicas voltadas para esse segmento, que boa parte da sociedade acredita que não tem direito a sua saúde sexual e reprodutiva”, pontuou.

 

 

Segundo Platini, após quatro décadas de epidemia, o HIV e a aids continuam sendo um grave problema de saúde pública no Brasil. De acordo com o presidente do Centro DH, em 2022, mais de 10 mil brasileiros morreram devido à aids e aproximadamente 33 mil foram infectados pelo HIV. Os dados mostram, ainda, que 40% das pessoas diagnosticadas abandonam o tratamento, o que, na avaliação dele, reforça a urgência de campanhas de conscientização no país.

“O estigma e a descriminação são desoladores. É inimaginável pensar que uma pessoa sofre discriminação por uma condição de saúde. O HIV, assim como o diabetes e outras comorbidades, não pode carregar estigmas e preconceitos, porque faz com que as pessoas abandonem o tratamento e se isolem”, enfatizou Platini.

 

Direitos Humanos

 

 

Ariadne Ribeiro, oficial do programa Unaids Brasil, da Organização das Nações Unidas (ONU), estabeleceu uma relação direta entre a violação dos direitos humanos e o aumento de casos de HIV/aids no mundo. Segundo ela, o preconceito e o estigma impactam no desenvolvimento de políticas públicas, resultando no atraso do diagnóstico precoce, dificuldade no acesso ao tratamento e isolamento social das pessoas vivendo com HIV/aids.

“Diversos países criminalizam relações de pessoas do mesmo sexo. Antes de existir uma criminalização existe um ambiente social propício ao estigma e ao preconceito que dão espaço para leis que permitem que a discriminação aconteça”, explicou Ariadne. “A maioria dos países que recrudesceram políticas ou leis que discriminam, aumentaram casos de novas infecções e a mortalidade cresceu.”

Ariadne Ribeiro também relatou que algumas populações estão mais expostas à infecção HIV/aids devido fatores sociais e econômicos. “Quando vemos que as pessoas mais pobres são as que menos têm acesso à terapia antirretroviral, que pode salvar vidas, e que

, no recorte de raça e gênero, essas pessoas continuam mais vulneráveis que as demais, percebemos que a nossa sociedade ainda se estrutura em preconceitos”, enfatizou.

 

Demandas da Saúde

 

Beatriz Maciel Luz, representante da Secretaria de Saúde, destacou os esforços do órgão para fortalecer a atenção primária ao HIV e a aids no DF. Ela, no entanto, apontou desafios para alcançar resultados efetivos, como a falta de PrEP e PEP em todas as 175 unidades de saúde, por serem medicamentos custosos.

“A secretaria de saúde já vem se preparando para ter esse apoio, se aproximando do Ministério da Saúde, para que possamos trazer essa pauta conjunta com outras secretarias, mas o que temos visto é que a saúde sozinha não vai dar conta. Temos uma enorme responsabilidade com a oferta de acesso, diagnóstico, prevenção e tratamento. Mas a saúde sem educação, serviço social, cultura e justiça, e, principalmente, parceria de controle social, não dará conta de avançar”, salientou.

De acordo com a representante da Secretaria de Saúde, há um cenário positivo da epidemia de HIV no DF, com uma tendência de estabilidade nos últimos anos. Segundo Beatriz Luz, o aumento significativo registrado em 2023 reforça a necessidade de continuar investindo em ações de prevenção, diagnóstico e tratamento.

“Nos últimos cinco anos, vemos uma estabilidade no número de casos novos de HIV no DF”, avaliou Beatriz Luz. “Tivemos um aumento entre 2022  e 2023, com 811 registros. Temos ampliado a oferta de testes rápidos para HIV, sífilis e hepatite B, que estão disponíveis em todas as unidades de saúde”, frisou Beatriz Luz.

 

Cenário brasileiro

 

 

Segundo José Alonso, representante do Ministério da Saúde, a disponibilização gratuita da PrEP pelo Sistema Único de Saúde do DF foi um fator determinante na redução de mortes por aids na região. “Queremos atingir a proporção de que para cada pessoa vivendo com HIV, é preciso ter três pessoas em PrEP. Aqui, no DF, em 2023, a proporção era de 2,8, agora em 2024, essa proporção é de 4”, destacou Alonso.

Alonso enfatizou que apesar dos avanços no diagnóstico do HIV no Brasil, a adesão ao tratamento antirretroviral (Tarv) ainda enfrenta grandes obstáculos no cenário brasileiro. Segundo ele, embora o sistema de saúde do país ofereça medicamentos de alta qualidade, há barreiras no acesso que impedem que todas as pessoas vivendo com HIV/aids consigam obter os medicamentos.

“Hoje, 95% das pessoas infectadas sabem do diagnóstico. No entanto, quando vemos a quantidade de pessoas que conseguem se manter em Tarv, temos uma redução considerável para 87%. Isso é um grande desafio”, analisou Alonso. “O Brasil tem uma das melhores ofertas de terapia antirretroviral. As drogas que usamos hoje são as melhores possíveis, mas o acesso ainda é um problema”, frisou.

 

Cartilha de prevenção

 

Durante o evento, Fábio Felix apresentou a nova edição da cartilha “Prevenção É Tudo”, que aborda formas de prevenção e tratamento de infecções sexualmente transmissíveis. O material, disponível gratuitamente, detalha os principais tipos de ISTs, como são transmitidas e a importância de realizar testes rápidos para diagnóstico precoce. Além de promover a prevenção, a cartilha tem o objetivo de incentivar a desestigmatização do HIV e da aids.
 

 

Fonte: Agência CLDF