Com a confirmação hoje (30) da Paralimpíada de Tóquio (Japão) no período de 24 de agosto a 5 de setembro do ano que vem, as federações internacionais paralímpicas passam a ter um novo desafio: montar o calendário do próximo ciclo. Afinal, terminados os Jogos na capital japonesa, restarão somente três anos – e não quatro, como é habitual – para a edição de Paris 2020, na França.
“Teremos que criar estratégias para suprir, em três anos, o planejamento da próxima Paralimpíada. Isso altera o calendário de todas as modalidades quanto à classificação funcional (processo que verifica a elegibilidade do atleta no paradesporto e qual sua categoria), torneios regionais e regras a serem discutidas”, explica Ana Carolina Duarte, atleta da seleção brasileira feminina de goalball, único esporte paralímpico que não é adaptado.
Teremos? Sim. Ana Carolina fará parte dessas discussões. Desde o ano passado, ela é a representante dos atletas no subcomitê do goalball na Federação Internacional de Esportes para Deficientes Visuais (IBSA, sigla em inglês), uma das entidades mais importantes do movimento paralímpico. Nesta semana, inclusive, a brasileira (que perdeu a visão aos 11 anos, devido a um tumor no cérebro) deverá participar de uma reunião, por videoconferência, sobre o próximo ciclo.
“É muito gratificante poder representar minha modalidade, dar voz aos atletas. Temos um grupo nas redes sociais pelo qual nos comunicamos. Antes das reuniões, eu passo aos atletas a pauta para eles interagirem, saberem o que será falado, e levar a palavra deles adiante”, conta a jogadora de 33 anos, 20 dedicados ao goalball, e quatro Paralimpíadas na bagagem.
Segundo a mais recente atualização do Comitê Paralímpico Internacional (IPC, sigla em inglês), divulgada na última sexta-feira (27), 87 competições marcadas entre março e junho deste ano, em diferentes modalidades, foram canceladas ou adiadas pela pandemia do novo coronavírus (covid-19). Torneios qualificatórios para os Jogos e eventos-teste devem ser a prioridade da agenda pré-Tóquio, enquanto outros campeonatos poderão ser postergados ao ciclo de Paris. Isso além do que já estava agendado para 2021 que, possivelmente, terá que ser repensado.
Mas, se hoje Ana Carolina e os demais integrantes do subcomitê do goalball poderão discutir o planejamento pós-Tóquio com mais “tranquilidade”, o mesmo não se pode dizer de uma semana atrás, quando os Jogos ainda estavam marcados para 25 de agosto deste ano – o adiamento só foi confirmado na última terça (24). Além de alterar a Paralimpíada e cancelar eventos pelo mundo, a pandemia da covid-19 dificultou (até impediu) o treinamento diário de atletas (olímpicos e paralímpicos) pela necessidade de evitar aglomerações, para a própria segurança dos esportistas, familiares e sociedade.
“Fomos pegos de surpresa por essa pandemia. Fiquei bastante chocada, apreensiva, triste por toda essa situação. Os atletas também ficaram preocupados pela data (dos Jogos) não estar definida. O Comitê (Organizador) japonês queria realizar o evento (na data prevista) e isso nos trazia insegurança. A confirmação da nova data traz alívio, uma direção”, afirma, relatando como tem sido o contato com os demais atletas no período.
“Esse tem sido um momento de reflexão, solidariedade, amor. A gente tenta passar mensagens positivas aos atletas. Acredito que, com essa decisão, as manifestações serão no sentido de ficarmos ainda mais seguros, e que haverá um planejamento melhor para nós, atletas”, completa.
Faltam 512 dias para a Paralimpíada de Tóquio 2020 no ano que vem. Parece muito tempo, mas, Ana Carolina sabe que o impacto do longo período sem treinamentos práticos será um dos desafios a serem superados pelos atletas, ainda mais quando não há precisão de quando a pandemia estará controlada. “A gente tenta suprir com treinos físicos, mas, não é a mesma coisa. Perde-se muito na questão física, fisiológica, hormonal e até psicológica. No esporte coletivo, como é o nosso, não tem como treinar em casa e ir para a quadra com o mesmo condicionamento, leitura de jogo”, explica.
Mesmo assim, a brasileira destaca o papel dos atletas no cenário global da pandemia. “A gente (ela e o companheiro Altemir Trapp, analista de desempenho da seleção de goalball) está na quarentena, obedecendo as orientações da OMS (Organização Mundial da Saúde) e dos médicos infectologistas. Nunca imaginei passar por essa situação, mas é algo que a gente tem de superar. Estamos na vida para vencer obstáculos. Tudo passa, e isso vai passar. Hoje, pensamos em salvar vidas. Ano que vem, buscar uma conquista na Paralimpíada, superando o que estamos vivendo, será muito mais prazeroso”, conclui.
Nota triste
O paradesporto brasileiro foi pego de surpresa com a morte da mesatenista Eliane Corrêa, de 48 anos, no sábado (28) – o anúncio do falecimento veio na noite de ontem (29). Atleta da classe 4 (cadeirantes) e professora, Eliane teve falta de ar e foi levada ao Hospital do Servidor Público de São Paulo, mas não resistiu. Ela estava no mesmo andar de pacientes com suspeita de covid-19, mas o resultado do teste – que tem levado cerca de 10 dias para sair – ainda não foi divulgado.
Nome constante em competições nacionais da modalidade, nas quais representava a equipe da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD-SP), e apaixonada por samba (chegou a desfilar pela Rosas de Ouro no carnaval de São Paulo), ela foi homenageada, nas redes sociais,
por amigos e atletas, como Jane Karla Gögel (tiro com arco e ex-mesatenista) e Joyce Oliveira, da seleção brasileira e que compete na mesma classe de Eliane.
“Hoje, o céu está em festa por receber essa pessoa, tão batalhadora, uma pessoa que, mesmo com as dificuldades, sempre ia atrás dos seus sonhos e dos seus objetivos. Você era um espelho pra mim, para nunca desistir do que queria, pois tudo era possível”, escreveu Joyce. Já a Confederação Brasileira de Tênis de Mesa (CBTM) manifestou pesar à família por meio de nota oficial publicada no site da entidade.
Edição: Cláudia Soares Rodrigues