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Há um ano, nesta mesma semana de abril, Phelipe Rodrigues caía na piscina do Centro de Treinamento Paralímpico, em São Paulo, pelo Open Internacional de Natação Paralímpica atrás de marcas para representar o país nos Jogos Parapan-Americanos de Lima (Peru) e no Mundial de Londres (Inglaterra). Porém, a cabeça do pernambucano estava distante. Os dias anteriores foram tensos. Antes do evento, os nadadores foram submetidos à classificação funcional, procedimento que determina se o atleta está apto para o movimento paralímpico e a categoria na qual se encaixa. Phelipe, no primeiro momento, foi considerado inelegível. Era como se a deficiência dele não fosse suficiente para enquadrá-lo no paradesporto.

Reavaliado, porém, ele voltou a ser elegível. André Brasil, companheiro de seleção brasileira que passou pela mesma situação antes do Open, não teve a mesma sorte. Não significava, porém, que Phelipe podia respirar aliviado. “Fui colocado sob revisão, sob a condição de fazer outra avaliação antes do Parapan para confirmar se continuaria no movimento ou não”, lembra o nadador de 29 anos, natural de Recife. “Foi bem difícil manter a motivação nos quatro meses de preparação. Eu me perguntava: ‘estou treinando para quê?’ Se desse certo, para ser campeão mundial e parapan-americano. Se desse errado, teria jogado esse tempo no lixo?”, se perguntava.

Antes, uma explicação sobre a classificação da natação. A modalidade tem 14 classes funcionais: uma para deficientes intelectuais, três para deficientes visuais e 10 para deficiências físico-motoras. Entre essas últimas, onde Phelipe se encaixa, quanto maior o número da categoria, menor o grau da deficiência. O pernambucano, que nasceu com uma má formação no pé direito (segundo ele, “igual ao Curupira”) que o obrigou a passar por duas cirurgias, contraindo infecção hospitalar durante a recuperação, é classe S (do inglês swimming) 10, justamente aquela na qual os atletas são menos comprometidos. Ou seja, caso a deficiência de um nadador S10 seja considerada insuficiente, ele não tem uma categoria “maior” para integrar. Foi o que ocorreu, por exemplo, com André Brasil.

2019 foi um ano especial para Phelipe Rodrigues, com conquistas no Parapan de Lima – Ale Cabral/CPB/Direitos Reservados

Como Phelipe disse, foram quatro meses de angústia. “Conversei bastante com meu psicólogo, trabalhamos muito a questão da motivação. Ele e minha equipe técnica me apoiaram demais. Comentei pouco com meus pais sobre isso, queria um pouco de espaço. Também falei bastante com o André nesse período, principalmente no dia seguinte à classificação que o considerou inelegível, o que me deixou bastante chateado. A gente é rival na água, mas, fora dela, somos muito amigos. Tanto que competimos juntos nas provas de revezamento, trabalhamos em equipe”, recorda Phelipe, que, enfim, pôde escancarar outra vez o sorriso que é sua marca registrada depois da avaliação em Lima cravá-lo como apto para a classe S10. “Foi um alívio imenso. Parece que tinha tirado um prédio de 30 andares das costas”, conta.

Conforme escreveu o jornalista William Douglas neste espaço em setembro, a classificação funcional é um processo delicado, realizado por profissionais que se especializaram por muito tempo, e que, por mais objetividade que se busque, há critérios que são subjetivos. No caso da natação, são feitas observações durante os eventos, além de testes clínicos e na água. E aí está a novidade do ciclo da Paralimpíada de Tóquio (Japão). Antes, os movimentos debaixo da água não eram quantificados na pontuação dos nadadores. Agora são. Entre muitos atletas, há o entendimento de que o procedimento ficou mais interpretativo que objetivo. Segundo Phelipe, a metodologia das três classificações pelas quais passou no ano passado foram distintas.

“Eles alegaram, na primeira vez, que eu tinha muita força no membro que tinha a deficiência. Mas, quando você participa do esporte de alto rendimento, você treina para melhorar o que é deficiente, não é? Se um remador tem um braço mais forte que o outro, ele vai querer treinar o que é mais fraco. E também treinamos para que a força [da perna deficiente] não fique tão diferente da normal”, explica o pernambucano. “Tanto que um dia antes da última classificação, no Peru, eles solicitaram mais exames médicos de última hora, para ter algo mais detalhado. Com isso, viram que não tinha como ter a melhora de força que eles afirmaram ter antes. Avalio o processo como bem inconstante. Acredito que não só eu, mas os atletas que passaram pela classificação pensam assim”.

Andre Brasil (direita) não teve tanta sorte como Phelipe no processo de reavaliação – Marcelo Regua/MPIX/CPB/Direitos Reservados

Sem o peso do “prédio de 30 andares”, Phelipe foi o destaque brasileiro no Parapan com oito medalhas: sete ouros e uma prata. De Lima, foi para Londres, onde conquistou a prata nos 50 metros nado livre. E mesmo comparando com temporadas de pódios paralímpicos (foram sete entre 2008 e 2016), o pernambucano avalia que 2019 foi o melhor ano da carreira. “Teve altos e baixos, mas, foi o ano no qual eu mais aprendi, em que mais sobressaí nas dificuldades. Fiz meu melhor Parapan, fui medalhista no Mundial, então, fiquei superfeliz”, afirma.

Phelipe esperava ir ainda melhor em 2020, mas a pandemia do novo coronavírus (covid-19) veio e paralisou o esporte mundial, adiando, inclusive, a Paralimpíada para 2021. O Open Internacional deste ano, no qual o atleta esperava estabelecer marcas para Tóquio, teve de ser cancelado. “Tinha participado de três competições antes, fora e dentro do país, mas como preparação. Estávamos muito preparados para a seletiva, todos ansiosos, então foi um baque grande. No começo foi bem difícil aceitar essa questão da quarentena, mas depois comecei a pensar com a consciência cidadã e vi a gravidade da situação. Tive chance de ir para a Inglaterra [onde mora a namorada Liz Jonhson, ex-nadadora paralímpica e hoje comentarista em uma TV britânica] e para João Pessoa [onde vivem os pais], mas preferi ficar sozinho em São Paulo. Estou no epicentro da pandemia e não queria alastrar se o pior acontecesse e eu contraísse coronavírus em um carro ou avião. Ainda mais porque meus pais são do grupo de risco”, declara.

À distância, o pernambucano mantém contato com a equipe multidisciplinar, treina em casa e aguarda o retorno das atividades. “Acho bem difícil termos competição, principalmente do circuito mundial, até outubro, no mínimo, por questões de logística”, admite. “Creio que os países farão torneios nacionais para motivar os atletas. Acredito que, assim que essa pandemia acabar, os comitês farão de tudo para colocar os nadadores na ativa outra vez”, conclui.

Edição: Fábio Lisboa