Lançado em 1990, o filme Convenção das Bruxas fez sucesso entre os fãs de fantasia, terror e comédia. A obra conta a história de um menino que, ao lado do melhor amigo e da avó, tentava impedir que um grupo de bruxas más transformasse as crianças do mundo em ratos. Três décadas depois, o clássico de Halloween ganhou uma nova adaptação para o cinema, que chega ao Brasil no próximo dia 19. Só que a refilmagem recebeu críticas de pessoas com deficiência, especialmente de atletas paralímpicos, que deram profusão ao movimento #NotAWitch (ou “não sou bruxa”, em português).
A versão 2020 do filme apresenta as bruxas com má formação nos pés e nas mãos, o que se assemelha à ectrodactilia, uma síndrome congênita que causa a ausência dos dedos. Um dos trailers, que mostra como identificar as vilãs, descreve as características como marcas das feiticeiras – na obra, elas são representadas como seres maléficos.
Campeã mundial em 2013 e medalhista de bronze na Paralimpíada Rio 2016, a ex-nadadora Amy Marren foi a primeira a se manifestar. A britânica questiona a Warner Bros. (estúdio responsável pelo filme) se houve reflexão sobre como essa representação da diferença de membros afetaria pessoas com ectrodactilia. Ela afirma, também, que o remake exagera a descrição física das bruxas, feita na obra literária de Roald Dahl, publicada em 1983, que serviu de inspiração para o filme Convenção das Bruxas.
“Estou totalmente ciente de que isso é um filme. Mas as bruxas ali estão representadas essencialmente como monstros. Meu medo é que crianças que assistam ao filme, sem saberem que ele exagera massivamente o original de Roald Dahl, e que as diferenças de membros comecem a ser temidas”, disse Marren, que nasceu sem a mão direita, em mensagem publicada no Twitter.
@WarnerBrosUK was there much thought given as to how this representation of limb differences would effect the limb difference community?! @ReachCharity @RoaldFull pic.twitter.com/kiTEAuYt7i
— Amy Marren (@amy_marren) November 2, 2020
O posicionamento da ex-nadadora ganhou eco junto a outros esportistas, como a também britânica Claire Cashmore, triatleta paralímpica e ouro na Rio 2016, que nasceu sem parte do braço esquerdo. Ela recordou comentários que escutou na adolescência – de que o braço era “assustador” e deixava os outros “enjoados” – e como isso a machucou nesta fase da vida.
“Ver o cartaz do filme me deixou muito confusa e chateada. Sim, você poderia dizer que é ótimo ver alguém com uma deficiência nos membros na TV. Mais que tudo, quero ver mais representatividade na mídia. No entanto, queremos que as deficiências sejam normalizadas e representadas de uma forma positiva, ao invés de associadas a algo assustador ou malvado. Conheço várias crianças e adultos que nasceram sem os dedos. Saibam que isso não os representa. Suas diferenças são únicas e devem ser celebradas”, disse, em postagem no Instagram.
“Alguns podem pensar que a comunidade de pessoas com deficiência está sensível demais. Mas vocês passaram a vida tendo que superar um estigma? Eu realmente não acredito que a Warner quis magoar ou ofender, mas penso que, talvez, mais discussões deveriam ter sido feitas”, completou Cashmore.
As reações delas e de outros atletas paralímpicos – entre eles, o ex-nadador brasileiro Clodoaldo Silva – além de artistas, receberam vasto apoio nas redes sociais, surgindo o movimento #NotAWitch. Pessoas com deficiência postaram fotos com a hashtag no corpo, chamando atenção justamente para o membro que possui alguma diferença. O Comitê Paralímpico Internacional (IPC, sigla em inglês) também aderiu ao movimento virtual.
Pedidos de desculpas
As manifestações contra o racismo que marcaram a última temporada da NBA (principal liga norte-americana de basquete) chamaram atenção do mundo e mostraram a força do engajamento de esportistas em causas sociais. A repercussão da #NotAWitch evidenciou que o alcance da voz dos atletas paralímpicos e dos movimentos de pessoas com deficiência é cada vez mais maior também.
A repercussão chegou à Warner, que pediu desculpas por “qualquer ofensa causada” às pessoas com deficiência. Em nota, o estúdio explicou que “na adaptação do original, trabalhamos com designers e artistas para uma nova interpretação das garras de gato descritas no livro. Nunca foi a intenção de que o espectadores entendessem que as criaturas fantásticas e não-humanas os representassem. Esse filme é sobre bondade e amizade. Esperamos que as famílias e crianças possam aproveitar o filme e abraçar esse tema amoroso e empoderador”.
Quem também se pronunciou foi Anne Hathaway, cuja personagem é a principal vilã do novo Convenção das Bruxas. Pelas redes sociais, a atriz se desculpou por não ter relacionado o visual da bruxa que representa na obra à alteração dos membros quando a aparência foi mostrada a ela. “Se tivesse, garanto que isso nunca teria acontecido”, afirmou a estrela, que divulgou, na publicação, o vídeo de uma organização sem fins lucrativos que conscientiza e celebra indivíduos e famílias afetadas pela diferença de membros, a Lucky Fin Project.
“Eu soube recentemente que muitas pessoas com diferenças nos membros, especialmente crianças, estão sofrendo por causa da representação da Grande Bruxa [personagem interpretada pela atriz]. Deixe-me dizer que faço o melhor para ser sensível aos sentimentos e experiências dos outros. Não para ser politicamente correta, mas porque não machucar os outros me parece ser um nível básico de decência. Como alguém que realmente acredita na inclusão e realmente, realmente, detesta crueldade, eu devo uma desculpa pela dor causada. Eu sinto muito”, concluiu Hathaway.