O presidente Jair Bolsonaro sancionou nesta quinta-feira (5/9) a Lei nº 13.869/2019, que define situações que configuram como abuso de autoridade. Foram vetados 19 artigos, contendo 36 dispostivos. Entre os trechos rejeitados está o artigo 17, que previa punições de seis meses a dois anos, além de multa, para agentes de segurança pública que algemarem “irregularmente” um suspeito. A nova norma foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União e pode ser conferida aqui.
O dispositivo foi o primeiro e um dos únicos a ter o veto previamente anunciado por Bolsonaro. O dispositivo previa a punição ao agente que submetesse o “preso, internado ou apreendido ao uso de algemas ou de qualquer outro objeto que lhe restrinja o movimento dos membros” quando, “manifestamente”, não houvesse “resistência à prisão, à internação ou apreensão, bem como ameaça de fuga ou risco à integridade física do próprio preso”.
Para a hipótese do uso “irregular” de algemas, havia previsão, ainda, de uma pena dobrada para casos em que o internado fosse menor de 18 anos, ou a presa, internada ou apreendida estivesse grávida no momento da prisão, ou em situação que ocorresse em penitenciária. Ao todo, o dispositivo vetado compreende o artigo, um parágrafo único, e três incisos.
Insegurança jurídica
O governo argumenta o veto sustentando que todo o dispositivo gera “insegurança jurídica por encerrar tipo penal aberto e que comporta interpretação”. “Ademais, há ofensa ao princípio da intervenção mínima, para o qual o Direito Penal só deve ser aplicado quando estritamente necessário, além do fato de que o uso de algemas já se encontra devidamente tratado pelo Supremo Tribunal Federal, nos termos da Súmula Vinculante nº 11, que estabelece parâmetros e a eventual responsabilização do agente público que o descumprir”, sustenta trecho da mensagem despachada ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).
Inicialmente, Bolsonaro havia dito que vetaria 36 trechos. Na lei, constam vetos apenas em 19 dispositivos. O presidente, assim, levou em consideração que um dispositivo como o artigo 17, que compreende incisos e um parágrafo único, contam cada um como um trecho vetado. O mesmo exemplo é aplicado em outras normas rejeitadas.
O deputado federal Ricardo Barros (PP-PR), relator do projeto de abuso de autoridade na Câmara, lamentou a decisão de Bolsonaro e defendeu que o Congresso Nacional derrube os vetos.
“Listei apenas alguns exemplos dos vetos publicados no Diário Oficial para reforçar, novamente, a importância de mantermos o texto original que passou pelo Senado, após ampla discussão e diversas audiências públicas e pela Câmara”, disse o parlamentar. “A lei é muito boa e só trata de quem abusa. Coloca as autoridades no mesmo patamar, atinge todos os poderes e garante o direito constitucional dos cidadãos. Os bons servidores podem dormir em paz”, acrescentou.
Na opinião de Barros, os vetos abrem as portas para que cidadãos inocentes sejam vítimas de processos judiciais ilegais ou que pessoas que não oferecem risco à sociedade sejam humilhadas com o uso de algemas.
O deputado criticou, entre outros, o veto ao artigo 13º, que criminaliza a conduta de obrigar o preso – mediante violência, ameaça ou redução de sua capacidade de resistência – a produzir prova contra si mesmo. “Releia e reflita, não parece necessária a criminalização desse tipo de conduta?!”, questionou o relator do projeto.
“Já o inciso II do artigo 22, vetado também, busca evitar a realização de operações policiais espetaculosas, e via de regra desnecessárias, que expõem a honra do investigado e de seus familiares”, disse o deputado.
A decisão de Bolsonaro contraria um acordo firmado entre Barros e o líder do governo na Câmara, deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO), logo após a Câmara concluir a tramitação do projeto no Congresso Nacional: apenas o veto ao dispositivo que trata de punição ao uso indevido de algemas por policiais foi pactuado. Na ocasião, em entrevista ao Correio, Barros disse que se o presidente vetasse outros pontos da matéria, todos seriam derrubados pelos parlamentares.
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), disse que ainda não avaliou os vetos, mas adiantou que eles poderão ser derrubados em sessão do Congresso, que ele preside. “Ainda bem que tem um sistema de pesos e contrapesos. É legitimidade total do presidente vetar qualquer matéria, e o Congresso tem a legitimidade de manter ou derrubar. Vou receber os vetos e, na sessão do Congresso Nacional, eles estarão pautados”, disse o presidente do Senado.
Alcolumbre observou que ainda não há sessão do Congresso agendada, mas que, se líderes partidários da Câmara e do Senado desejarem, ela poderá ocorrer na próxima semana.
O advogado Thiago Turbay, coordenador-adjunto do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM-DF), disse que os vetos presidenciais ao projeto enfraquecem o equilíbrio entre a sociedade e os detentores do poder público.
“A sociedade foi posta, novamente, na posição de vítima amordaçada de um estado opulento, autoritário e que não respeita liberdades individuais. Os vetos dão um recado aos agentes públicos que desobedecem à lei: vocês não serão punidos”, disse Turbay.
“Vetos ao artigo que visa impedir prisões ilegais; o constrangimento ilegal de presos; o uso ilegal de algemas; a realização de busca e apreensões que não obedece ao limite do mandado judicial autorizador; o veto da proibição de indução de flagrante; o veto à omissão de fatos jurídicos relevantes para impedir os cidadãos de se defenderem, todos, colocam a sociedade de mãos atadas”, acrescentou.
Para a advogada Vera Chemin, mestre em administração pública e pesquisadora do direito constitucional, os vetos ao projeto refletem a intenção do presidente Jair Bolsonaro de viabilizar a atuação de juízes, procuradores, promotores e policiais. Ela também disse que alguns dispositivos da matéria já estão contemplados na legislação penal brasileira.
“Os vetos mais polêmicos remetem, por exemplo, ao uso das algemas. Essa questão das algemas já estava disciplinada na legislação processual penal e, inclusive, na Súmula Vinculante de número 11 do Supremo Tribunal Federal. É claro que, a partir de agora, especialmente a polícia, vai tomar muito mais cautela, mais cuidado, e eu acho que não vai acontecer mais o que aconteceu, por exemplo, com o ex-governador Sérgio Cabral, quando colocaram correntes nos pés dele, o que foi um abuso”, disse.
“O que se pode depreender de todos esses vetos é que, se depender do presidente, vai haver realmente um endurecimento com relação aos presos e condenados ou a supostos cometedores de crimes e, ao mesmo tempo, manter os procedimentos com relação ao Poder Judiciário, do Ministério Público e da polícia para que eles não sofram constrangimentos ou possam ter algum tipo de receio de atuar”, acrescentou a advogada. As justificativas para os vetos podem ser conferidas aqui.
Informações do Jornal Correio Brasiliense