Quem vê os principais caciques do MDB (Movimento Democrático Brasileiro) serem presos em menos de um ano sob acusação de crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, pode ter dificuldade de acreditar, ou lembrar, que a legenda teve origem no movimento que enfrentou a ditadura militar e defendeu a democracia. Foi também incubadora dos principais partidos políticos que se dividiram em vários espectros e dissidências. E, ainda, teve papel fundamental na Assembleia Nacional Constituinte que promulgou a “Constituição Cidadã” de 1988, que criou o presidencialismo de coalização, que viria a ser o pano de fundo para a estratégia futura da legenda.

A trajetória e as forças que dominaram o partido desde a fundação do PMDB, em 1979, já com o P devido à volta do pluripartidarismo, ajudam a compreender parte da atual crise do partido, que em 2016 voltou a se apresentar como MDB, em uma tentativa de amenizar o desgaste político dos últimos anos.

Antes da reforma partidária de 1979, só havia duas legendas no Brasil durante o regime militar: o MDB, um caldeirão que aglutinava todo tipo de oposição, de sindicato a governo, e a Aliança Renovadora Nacional (Arena), que apoiava os militares, de onde saíram partidos conservadores como o PDS, de Paulo Maluf, e o PFL, de José Sarney. Antes de virar PMDB, o MDB já se dividia entre moderados e autênticos, na forma de enfrentar o regime militar.

“O MDB foi criado durante a ditadura como contraponto à Arena, para dar um viés de legitimidade democrática, de vários espectros diferentes. Foi um guarda-chuva que abrigou várias lideranças em defesa da democracia”, defende o presidente do partido, o ex-senador Romero Jucá. Ele lembra que do MDB saíram lideranças, como Leonel Brizola e Tancredo Neves, além do PSDB.

Evasões  

O cientista político Rafael Moreira, que acaba de defender sua tese de doutorado sobre o MDB na Universidade de São Paulo (USP), conta que já em 1982, a correlação de forças desse caldeirão de lideranças que lutavam pela democracia começou a mudar, justamente quando a legenda incorporou o PP de Tancredo Neves, partido oriundo da dissidência moderada do velho MDB. Foi quando a cúpula passou a ser mais influenciada pelos militares.

“O bloco Unidade comandava a legenda e capitaneou as disputas das Diretas Já com a chapa Tancredo Neves-José Sarney”, lembra. Sem as diretas, a dupla só saiu vitoriosa no Colégio Eleitoral (eleição indireta), em 1985.

Já presidente, Sarney aprovou a Emenda Constitucional 25, que flexibilizou as regras para a fundação de partidos e de fidelidade partidária. Surgiram as agremiações de esquerda: o PCB (que atuou na clandestinidade), o PC do B e o PSB, que saíram do MDB.

“Foi nesta época que começou o inchaço do PMDB que, apesar de perder membros à esquerda, cresceu em todo país”, compara Moreira. Nas eleições de 1986, o partido teve resultado acachapante: elegeu 22 dos 23 governadores, 49 senadores, 260 deputados e 953 deputados estaduais.

Segundo o pesquisador, um novo racha dividiu a legenda entre o Movimento Unidade Progressista (MUP), que reunia os remanescentes mais à esquerda e fundou o PSDB, em 1988, e aqueles que integravam o Constituinte, grupo suprapartidário com perfil de centro e direita criado para dar apoio à agenda do presidente Sarney na Constituinte, e que hoje ficou conhecido como Centrão. Foi a terceira evasão.

Hegemônico, o grupo que integrava o Constituinte, liderado pelo carismático Ulysses Guimarães, lançou o Senhor Diretas candidato a presidente nas eleições de 1989, as primeiras depois da redemocratização, que Fernando Collor (PRN) venceu. Com o impeachment do “caçador de marajás” (mote político com o qual Collor se elegeu), Itamar Franco assumiu a Presidência.

“Nessa época, o PMDB se dividiu entre os governistas, liderados por Michel Temer, e os oposicionistas de Paes de Andrade. Foi quando a legenda começou uma nova fase”, explica Moreira, cuja pesquisa cobre o partido até 2002.

Nos bastidores

A partir daí, o PMDB deixou seu papel de protagonista da política nacional para atuar nos bastidores. Cresceu o espaço do partido no Executivo, mas também as críticas por práticas fisiologistas e por governar com grupos oligárquicos.

“O MDB possui muitos líderes de estados menores, mas que no Senado possuem igual peso. Essa é a forma como conseguem se projetar. Com líderes regionais de expressão nacional, como Renan Calheiros (AL), Romero Jucá (RR) e José Sarney (MA), por exemplo. Eles conseguem poder de barganha para negociar emendas, propostas e projetos e estão sempre na situação, embora nunca tenham eleito um presidente diretamente”, avalia Juliano Griebeler, cientista político do Ibmec.

Com a morte de Ulysses, em 1992, o paulista Orestes Quércia passou a ser a principal liderança do PMDB. Chegou a lançar seu nome nas eleições de 1994, vencidas pelo tucano Fernando Henrique Cardoso. Foi a última eleição presidencial disputada pelo partido até 2018, com Henrique Mierelles. Elegeu apenas 13 senadores e 34 deputados federais.

Em 1995, Temer já havia sido escolhido líder do partido na Câmara dos Deputados e acabou eleito presidente da Câmara duas vezes. Os governistas liderados por Temer ganharam espaço na legenda e passaram a fazer parte da coligação de sustentação no segundo governo tucano de Fernando Henrique, no de Luiz Inácio Lula da Silva e no de Dilma Rousseff, até o racha na base que resultou no impeachment da presidente, em 2016.

Em 2001, Temer foi eleito presidente nacional do partido. Geddel Vieira Lima, Henrique Eduardo Alves, Eduardo Cunha, Romero Jucá, Eliseu Padilha e Moreira Franco passaram a integrar a ala que comandaria a legenda até hoje. Foi quando a cúpula do partido se concentrou na estratégia de fazer a maior bancada possível dentro no Congresso. Foi eleito presidente da Câmara em 2009. No ano seguinte e em 2014, foi vice na chapa de Dilma.

“O MDB foi o partido mais importante até 2018. Liderou o partido para fora da ditadura e fez parte de todas as coligações importantes e quando não foi parte do governo, derrubou o governo”, diz Sérgio Praça, cientista político da Fundação Getúlio Vargas (FGV), se referindo à aliança de Cunha com Temer para articular o impeachment que afastou Dilma Rousseff.

Novas bandeiras

Com 2,5 milhões de eleitores, 10.700 vereadores, 1.030 prefeitos, 750 vice-prefeitos, 180 deputados estaduais, 34 federais e 13 senadores, o MBD ainda é a maior legenda do país. O partido pretende fazer convenções nos estados até junho e espera realizar seu congresso em agosto. Romero Jucá promete fazer mudanças no Código de Ética, para prever situações como as que levaram membros do partido à prisão. Pretende  limitar o mandato dos presidentes da legenda, com uma recondução, entre outras mudanças. Segundo ele, o partido terá duas bandeiras para as eleições municipais de 2020: combater a violência contra a mulher e fortalecer a primeira infância.

Informações do Jornal Correio Braziliense