O secretário adjunto de Previdência e Trabalho, Bruno Bianco, passou boa parte da entrevista sobre a proposta de Previdência dos militares tentando convencer o público de que “uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa”. No caso, uma coisa é o ganho fiscal bruto de R$ 97,3 bilhões, a ser proporcionado pelas mudanças propostas no chamado “Sistema de Proteção Social das Forças Armadas” — os militares insistem que não se trata de um regime de previdência. Outra coisa é o gasto de R$ 86,8 bilhões previsto com a reestruturação da carreira — leia-se aumento de salários –, o que resultará num ganho fiscal líquido de apenas R$ 10 bilhões.
Portanto, não se justificaria, segundo ele, a avaliação corrente de que a proposta encaminhada ao Congresso nesta quarta-feira, pelo próprio presidente Bolsonaro, tenha sido esvaziada ou desidratada, durante as negociações entre a equipe econômica, as lideranças políticas e os militares.
É até compreensível que Bianco se empenhe em esclarecer as diferenças de conceitos. Sob o aspecto de dinheiro em caixa, no entanto, é inegável que a proposta saiu menor do que a encomenda. Mesmo considerando-se que a turma de Paulo Guedes conseguiu segurar um pouco a ambição dos planos de “reestruturação de carreira”. E, principalmente sob o ângulo político, a frustração é ainda maior. O que fica claro é que as pressões dos militares deram resultado e a categoria conseguiu, no final das contas, que suas pretensões fossem atendidas.
Trata-se de uma situação que, independentemente dos esforços para conciliar interesses divergentes, tende a exacerbar conflitos que serão explicitados, de uma forma ou de outra, na tramitação da proposta da Previdência.
Não há dúvida de que outras categorias, como por exemplo professores, também gostariam de atrelar eventuais perdas com a reforma a ganhos com algum tipo de “reestruturação”. Para o conjunto dos trabalhadores, as mudanças foram apresentadas sem qualquer contrapartida.
A resistência dos militares já havia aparecido como um entrave na proposta da Previdência do governo Temer. Mesmo quando ainda havia uma esperança de que ela pudesse ser levada adiante, sempre aparecia a pergunta incômoda: e os militares? Por mais que se argumentasse que essa era uma questão específica, a mensagem transmitida à população era de que os custos não seriam distribuídos com equidade. Ou seja, os sacrificados seriam os de sempre.
Com Bolsonaro, ficou claro que o Congresso não daria passagem à reforma, se os militares não dessem a sua contribuição — daí a necessidade de apressar a formatação da proposta específica para as Forças Armadas. Vencida essa etapa, agora é hora de examinar o tamanho dessa contribuição. Equipe econômica, assessores técnicos e líderes políticos terão de gastar muita saliva para convencer o público que aumento de salários combina com corte de gastos. E mais: que R$ 10 bilhões e R$ 100 bilhões são praticamente “a mesma coisa”.
Informações do Jornal O Estado de São Paulo/Estadão.