Uma das primeiras coisas  que aprendi sobre “Secretaria de Segurança” é que Secretário de Segurança Pública nunca mandou, não manda e não mandará nas polícias. Os últimos acontecimentos escancarou esta realidade. A carta do ex-secretário de Segurança Pública e Paz Social, prof. Arthur Trindade fez um diagnóstico da realidade do DF.

A entrevista abaixo é importantíssima para compreendermos a atual situação do DF. Sempre chamaram o secretário de segurança em todos os governos de “Rainha de Inglaterra”, o ex-secretário foi o único com a coragem de explicar o porquê: o problema é estruturante!


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Entrevista Flavio Testa, Pesquisador da Unb
Renato Sergio de Lima, Presidente do Forum Brasileiro de Segurança Pública.

CBN – Bom dia Testa, o senhor milita também nesta área da segurança pública. O senhor ficou surpreso com o teor da carta de renúncia, digamos assim, do agora ex-secretário de segurança pública, o sociólogo Arthur Trindade?

Flavio Testa – Não, Estevam! Eu achei que o professor Arthur Trindade, agora ele volta a ser professor e pesquisador da Unb. Então, ele fez na sua carta de demissão um diagnóstico, profundo da situação da secretaria de segurança. Inclusive nós já vínhamos falando aqui no seu programa, sobre a problemática da secretaria de segurança no governo passado. Quando a gente dizia que esse modelo de gestão da SP e do sistema de segurança pública do Distrito Federal, torna o secretario um mero coordenador, sem poder executivo, sem poder de decisão nenhum.

CBN – Ontem ele se referiu ao fato de que hoje o Secretário de Segurança é uma Rainha da Inglaterra.

Flavio Testa – Exatamente, porque ele não tem autonomia sobre orçamento, sobre o planejamento operacional, não tem autoridade hierárquica sobre as corporações que supostamente estaria sobre o comando da secretaria de segurança.

CBN – Por que ele não tem essa autonomia?

Flavio Testa – Porque não passa necessariamente sobre o crivo do secretario todas as ações de planejamento operacional da PM, da policia civil, do Detran, dessas que compõe o sistema de segurança. Ele é um mero coordenador administrativo das ações da secretaria na verdade ele não atua como um líder hierárquico dessas corporações, que deveria ser o governador, que também não mostrou força suficiente para impor sua autoridade.

CBN – Ontem na entrevista que fizemos com ele…ele chegou a tocar justamente nesses pontos ressaltados pelo senhor. Ou seja, ele disse que não tem autonomia sobre o orçamento da polícia militar, por exemplo. E tem as mãos muito atadas. Para mudar isso depende de quê? De um projeto de lei? De uma decisão do próprio governador? A “constituição” da policia militar, eu uso entre aspas para dizer a lei que rege a PM tem que ser mudada? Quais os caminhos?

Flavio Testa – Aqui simplesmente o governador poderia mudar os caminhos da exigência da lei orgânica, submeter a apreciação da Câmara legislativa. Mas, o governador poderia simplesmente dar mais poder de decisão para o secretario, ou seja, ele como governador não aceitaria despachar, enquanto não tivesse sido deliberado pelos órgãos da secretaria de segurança comandado pelo secretário de segurança. Na minha avaliação é muito mais uma decisão administrativa, política do governador, do que essa questão toda de mudar a legislação do PL, do regimento interno, essa coisa toda. O problema é que o governo fica refém deste tipo de estrutura. E não é o problema, isso já é antigo e pode dar ainda problema mais na frente do governo Rollemberg.

CBN- Estou desde ontem, obviamente, tentando falar com o Comandante geral da PM, o coronel Florisvaldo César. Porque é importantíssimo o posicionamento dele, visto que as declarações são muito fortes. Acho que abre-se um debate importante para a própria sociedade e a opinião do comandante é fundamental. O ex-secretário disso que a PM não se submete a autoridade civil, não corrige erros, ele criticou a autonomia excessiva da polícia militar. O comandante foi convidado e infelizmente não obtemos resposta.

Flavio Testa – O interessante é que Brasília como em pelo menos, cinco estados brasileiros eles convocam alguém da polícia federal para ser secretário de segurança.

CBN – Foi bom o senhor ter destacado isso, porque tem ouvinte aqui que disse exatamente isso, tem que vir alguém da policia federal, um outro disse que tem que vir das forças armadas…

Flavio Testa – É exatamente já tivemos isso aqui em Brasília, coronéis reformados, dois delegados da policia federal, inclusive um dos melhores secretários de segurança daqui de Brasília, que foi o Sandro Avelar, que é delegado da policia federal… Na verdade o que nós precisamos é ter uma autoridade de verdade que comande o sistema de segurança pública, independente da farda, ou seja o problema ai e que o governador tem que assumir o comando de estado que ele governa. A responsabilidade é dele e nesse ponto eu acho que ele demonstrou fraqueza acredito até que o secretario deveria ter sido privilegiado hierarquicamente.

CBN – Você acredita hoje, por exemplo, que o governador pode estar refém da polícia militar? Esse empoderamento dato ao comando geral da PM após o episódio dos professores, que culminou com a saída agora do ex-secretário Arthur Trindade? O senhor acha que o governo corre esse risco?

Flavio Testa – Eu acho que tende a ficar mais enfraquecido sim. Em minha opinião ele deveria ter fortalecido o secretário. Por que ele teria mais condições de negociar com outras categorias que estão em greve. A policia militar é extremamente importante, ela precisa simplesmente está submetida a um planejamento estratégico do governo do Distrito Federal, ela tem suas obrigações constitucionais e atribuições. Mas, ela não pode estar acima do governo.

CBN – Será que não esta na hora de acabar com a policia militar, de unir as duas corporações?

Flavio Testa – A PM tem sido elogiada, o próprio secretario elogiou, concordo que os manifestantes exageraram e para colocar um ponto final na greve. O governador deveria sim, convocar as lideranças da PM, da policia civil, do Detran e da policia rodoviária e chegar a um consenso e definir as autoridade, definir que realmente está no comando. Com base na legislação e naquilo que a população deu a ele que é o voto, direito de estabelecer uma regra hierárquicamente a ser cumprida e isso é possível sim. O que há é o risco dele ficar refém da polícia militar, como aconteceu no passado, várias mudanças de comando da PM e houve a operação tartaruga, que causou um mal estar enorme na população Brasiliense.

CBN – Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, leciona na fundação Getulio Vargas, o senhor deve estar acompanhando toda essa crise exposta na área de segurança pública do Distrito Federal, ontem com a saída do secretário de segurança, ainda não temos um sucessor. Mas, o ex-secretário deixou aberto um amplo debate ao criticar a autonomia excessiva da polícia militar do DF. Disse que a corporação não se submete a autoridade civil, nem admite erros e na visão dele, o secretario de segurança é uma figura decorativa, comparou a Rainha da Inglaterra.

CBN – O que o senhor pode nos ajudar neste contexto aqui?

Renato Sérgio de Lima – Então, o que o ex-secretario Arthur Trindade deixou claro aqui é a descrição do que acontece em boa parte do país. São poucos os estados que tem efetiva capacitação de coordenação das polícias . E infelizmente nós temos problemas seriíssimos na seguraça pública que nós poderíamos ficar enumerando para o ouvinte. Mas, para dar uma ideia a policia civil briga com a policia militar, as dificuldades que nós temos com as policias comunitárias, as dificuldades de estabelecer ações de comando e controle, enfim, um governo com uma dificuldade muito grande de se relacionar com a polícia, porque ora querem uma policia que vá lá e faça o que tem que ser feio, entre aspas, ora tenta falar que a policia tem que submeter ao comando do governo, enfim, você tem no sistema de segurança publica um quadro de extrema gravidade e extremo descontrole e desorganização, basicamente é isso. Então, o que o ex-secretário Arthur destacou, no caso especifico do Distrito Federal, é histórico. As policias são excessivamente autônomas, e para lembrar um caso mais famoso, como o FBI, quando uma policia é excessivamente autônoma, você faz com que ela se desvie dos seus rumos. Por exemplo, hoje a polícia militar do Distrito Federal precisa restaurar sua estrutura de cargos, no DF o numero de coronéis é muito superior que qualquer outro estado do país. Por exemplo, em São Paulo com aproximadamente 80 mil policiais militares, tem 60 coronéis, um número igual ao Distrito Federal com uma população muito menor. Então a gente vê aqui em termos de estrutura ha muito que ser discutido no Distrito Federal. Outra coisa é inconcebível, que o Estado Brasileiro, ok aceitou que é uma policia militar e outra civil, se vamos unificar ou se vamos integrar esse é um debate aberto e esta sendo feito. Agora se há uma policia militar, e dentro da lógica militar é inconcebível se formar um conjunto de coronéis irem até o governador e dizer que ele esta errado e que ele precisa mudar de opinião. Porque se não você não tem nenhum tipo de ingerência, fica uma instituição excessivamente autônoma o comandante acaba tendo um poder maior do que do próprio governador. Que ao aceitar a pressão de um grupo de coronéis acaba mostrando sua fraqueza e na verdade mostra a fraqueza da própria corporação que não esta sendo guiada por interesse público, mas por interesses particulares de grupos. Aliás, não só a policia, diversos órgãos são guiados por interesses de grupos.