O posicionamento do presidente Jair Bolsonaro em vincular o reajuste salarial da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) à paridade com as demais forças de segurança atinge estratégias de negociação entre o Governo do Distrito Federal (GDF) e as corporações. O governador Ibaneis Rocha afirma que a concessão à Polícia Militar do Distrito Federal gera um impacto anual cinco vezes maior do que o previsto para os policiais civis. “Sem a consciência de que teria condições de pagar (o aumento), eu não podia encaminhar (a proposta para o governo federal). Fiz o que podia ser feito dentro do princípio da responsabilidade”, afirmou.
A justificativa do chefe do Executivo local em priorizar o envio da proposta que beneficia a PCDF para análise do Planalto é de que o reajuste de 37% — o mesmo da Polícia Federal — estava dentro do orçamento previsto pelo Fundo Constitucional — verba da União responsável pelo pagamento das folhas dos servidores das forças de segurança. “Eu tinha condição de absorver (o reajuste). Mandei, primeiro, o da Polícia Civil, porque o impacto era menor, mas a intenção sempre foi privilegiar a todos. Agora, sei que tenho o apoio dele (Bolsonaro)”, alega o governador.
A repercussão é fruto de uma declaração dada por Bolsonaro ao presidente do Sindicato da Polícia Civil do Distrito Federal (Sinpol/DF), Rodrigo Franco, na saída do Palácio da Alvorada, na segunda-feira, mas divulgada apenas hoje. Na ocasião, o presidente da República afirmou que não vai “brecar o aumento de ninguém”, desde que haja equiparação com todas as forças. “O mesmo percentual para a PM e para a Civil”, reforçou.
Na tratativa mais recente entre o GDF e o governo federal, Ibaneis articulava a edição de uma medida provisória para transferir ao Executivo local a definição dos aumentos salariais das corporações brasilienses. Atualmente, a deliberação exige aval da União e do Congresso Nacional, dinâmica que acaba por empacar propostas desse tipo. Mesmo com a condicionante estipulada por Bolsonaro, o governador do DF continuará as tratativas em busca da autonomia na questão.
Manifestações
Os ânimos entre os representantes das corporações da capital federal ficaram acirrados após a postura do chefe do Planalto. Para o Sinpol/DF, Bolsonaro está “ciente do pleito dos policiais civis, apesar de desconhecer a realidade das forças de segurança do Distrito Federal”. O sindicato alega não existir paridade salarial entre as categorias. “Os policiais civis do DF amargam mais de 10 anos sem reajuste, acumulando uma defasagem salarial de mais de 50%. Enquanto isso, as outras duas forças (PM e Corpo de Bombeiros) e as demais carreiras do serviço público receberam reajustes com índices acima da inflação acumulada no período”, contesta o Sinpol, em nota oficial.
Como o pagamento dos policiais civis é feito por subsídio, não são previstos auxílios e adicionais, o que, para o sindicato, é outra justificativa que impossibilitaria equiparar os salários. “Antes que se defenda um tratamento igualitário, é preciso, sobretudo, avaliar em quais aspectos, de fato, elas devem ser tratadas igualmente. Não é justo, agora, estipular condições que, anteriormente, sequer existiam”, defendeu o Sinpol.
Durante a troca da Bandeira Nacional, no último domingo, cerca de 200 policiais civis fizeram uma manifestação cobrando a recomposição salarial. O objetivo era chamar a atenção de Bolsonaro e de Ibaneis, mas nenhum dos dois compareceu ao evento. O grupo levou faixas reiterando o apelo ao presidente da República para levar ao Congresso a proposta de paridade entre a PCDF e a Polícia Federal. O impacto anual calculado é de R$ 650 milhões.
Em meio a dúvidas geradas pela nova condicionante estabelecida por Bolsonaro, o presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do DF (Sindepo/DF), delegado Rafael Sampaio, tentará agendar uma reunião com o governo local. “Precisamos de segurança jurídica e esperamos uma solução. O GDF assumiu um compromisso conosco e continuamos acreditando. Nunca fizemos barreiras a benefícios de ninguém e é injusto que seja traçado mais um empecilho nas negociações”, avaliou.
Insistência
Em fevereiro, o GDF enviou uma proposta ao Palácio do Planalto que atendia à categoria, concedendo reajuste de 37%, dividido em seis parcelas pagas até 2021. A intenção de Ibaneis, à época, era tratar o aumento salarial da PMDF após a conclusão da discussão referente aos policiais civis. No entanto, a pauta não foi discutida pelo governo federal nem levada ao Congresso Nacional.
A então priorização do GDF causou desconforto entre as áreas da segurança pública. “Entendemos que as nossas reivindicações estavam em segundo plano”, reclamou o coronel Milton Paduan, presidente da Associação dos Oficiais da Reserva Remunerada e Reformados da PMDF e do CBMDF (Assor). Para ele, a falta de limite do Fundo Constitucional é um problema de gestão. “Está se usando a verba para fins não previstos, como pagamento de folhas fora da área da segurança. O governo precisa organizar as falhas de gestão e garantir que todas as instituições ganhem reajustes na mesma proporção”, opinou.
Na avaliação do tenente-coronel Eduardo Naime, líder da Associação dos Oficiais da PMDF (Asof/PM), o posicionamento de Jair Bolsonaro é o mesmo desde o início do mandato presidencial. “Não entendeu isso quem não quis. A insistência dos policiais civis em não aceitar o mesmo percentual é descabida e sem lógica. Ao longo desses anos, tentamos recuperar a disparidade entre os salários e não conseguimos até agora, mesmo sendo (a PM) uma corporação de maior amplitude”, alegou. O oficial também aponta a dificuldade em atingir o topo de carreira. “Um militar leva o dobro do tempo para chegar ao cargo máximo, quando consegue”, pontua.
Em setembro, o governo assegurou a redução do interstício aos militares até o fim do ano. A possibilidade de diminuir em até 50% o tempo para subir de patente pode beneficiar mais de 2,5 mil PMs e é prevista por lei.
Memória
Paridade histórica
A paridade salarial entre a Polícia Civil e a Polícia Federal não é prevista em lei, mas, historicamente, é concedida pelo GDF. Isso porque ambas as corporações são regidas pela Lei Federal nº 4.878/65 e saíram do extinto Departamento Federal de Segurança Pública (DFSP). À época, o acordo era que as duas polícias teriam isonomia. Justamente pela peculiaridade, quando as outras forças de segurança do DF receberam aumento, a PCDF não foi enquadrada. Em 2014, durante a campanha, o então candidato Rodrigo Rollemberg (PSB) prometeu reajuste, mas, ao assumir o Palácio do Buriti, suspendeu o aumento por falta de recursos. Rollemberg fez propostas alternativas, como parcelar o pagamento em quatro anos, com término em 2020, mas a Polícia Civil rejeitou todas as sugestões.
Para saber mais
Verba federal
O Fundo Constitucional foi criado por uma lei, em 2002, e era previsto na Constituição Federal, conforme disposto no inciso XIV do artigo 21. A partir de verba federal, o fundo tem como finalidade prover os recursos necessários à organização e à manutenção das forças de segurança do Distrito Federal (Polícia Civil, Polícia Militar e Corpo de Bombeiros), assim como dar assistência financeira para execução de serviços públicos nas áreas de saúde e educação.
Informações do Jornal Correio Braziliense