Janelas e a Crise na Segurança
Por Everton Gomes -Secretário Nacional de Relações Internacionais JS/PDT
A sociedade brasileira assiste a uma inigualável crise cravada no setor de segurança pública. Uma crise que se espalha e atinge as Polícias Civil e Militar, além do Corpo de Bombeiros. Os discursos são muitos, sejam eles emocionados, oportunistas, reivindicatórios, governistas ou outros com diferentes propostas, porém com poucas soluções. Nos últimos dias, no final de janeiro de 2012, o incidente em Pinheirinhos, na cidade de São José dos Campos, mostrou a truculência com que os policiais, sem considerarem a sua origem social e, acima de tudo, levados em nome do “cumprimento da missão”, agiram contra o conjunto de trabalhadores e subempregados que residiam neste local – tendo o apoio repentino e sistemático da grande mídia. Entretanto, semanas depois, os mesmos policiais militares, desta vez, na Bahia, foram rechaçados pela mesma grande mídia, por reivindicarem por melhores salários. As manifestações que se iniciaram na Bahia com os Policiais Militares, poucos meses atrás aconteceram no Rio de Janeiro com os Bombeiros Militares, e, tempo não tão distante também se desdobrou em mais uma série de estados da Federação e, novamente, acontece no Rio, com uma característica peculiar, agora há unidade entre os Bombeiros e os Policiais Civis e Militares. Ao que parece, a tal crise na segurança é cíclica, isto é, tendo em vista a não resolução dos fatores que a promove, ela retrocede frente a medidas paliativas, mas logo em seguida retorna com mais força. Mas como fazer para resolver este grave quadro que nos acomete? A sociedade não pode estar todo tempo se voltando a resolver crises de servidores – principalmente servidores que possuem atribuições tão singulares e especiais como estes, que devem primar pela segurança da vida e da liberdade da população. Como em todo processo civilizatório, as crises sempre foram janelas para o debate e a construção de novos valores e culturas, tornando-se por isso um momento histórico riquíssimo na promoção de oportunidades. Embora as crises sejam duras para a população, elas permitem que se rediscuta muita coisa, que se questione o status quo e que se estabeleçam novos paradigmas. Devemos debruçar o nosso olhar no caso em questão como uma grande janela para a promoção de reformas estruturais na Segurança Pública. É latente aos olhos mais desprovidos que a situação atual não é refém apenas de petições por melhores salários, mas basta um ouvido mais atento que se escutará suplícios por melhores condições de trabalho, mudanças nos regulamentos disciplinares, democracia e outros muitos elementos que não podem ser reduzidos a pedidos por melhoria salarial. Por muito tempo o chamado aparato repressivo serviu aos “governos do dia” como um “cão de guarda” que os auxiliava e por isso colhia benesses e migalhas pontuais, dado a sua inquestionável lealdade. Basta ver o uso truculento de tropas em ações de repressão a movimentos de trabalhadores, do campo e da cidade, bem como a diversas lutas sociais Brasil a fora. Em suma, trabalhadores armados, usados pelos setores dominantes e pelo Estado que os patrocinam, se confrontando com trabalhadores organizados em suas reivindicações. O aparato nacional de segurança reside ainda nos tempos do regime de exceção que foi “banido” por derradeiro com o estabelecimento da nova ordem constitucional vigente advinda da Carta de 1988, poeticamente conclamada de Constituição Cidadã. No sentido diverso ao que foi proclamado em nosso ordenamento constitucional, os regulamentos policiais, em especial da Polícia Militar e Corpo de Bombeiros e porque não dizer da Polícia Civil, tem resquícios sérios e absurdos que foram moldados por meio do Golpe Civil-Militar de 1964. Será que é cabível uma Polícia Cidadã que não pode discutir melhorias de condições de trabalho e salário? É possível que servidores públicos sejam coagidos por força de regras a colocar suas vidas em risco sob a desculpa de que são serviços essenciais? Será que o Estado que não cuida dos aspectos mais básicos da segurança de seus servidores é legítimo para lhes punir quando estes cruzam os braços em revolta? É óbvio que uma greve com servidores armados é algo que não ajuda o avanço democrático. Mas também é óbvio que a lógica de servidores que estão sujeitos as piores condições de trabalho e disciplina, que não tenham direito ao livre exercício comum a todos que pertencem diretamente ou não às organizações sindicais, sejam presas fáceis para oportunistas e incendiários, “mariposas do caos”, que desejam fazer luta política, ao se aproveitarem das debilidades organizativas de milhares de trabalhadores e, com isso, poderem gerar um grande desconforto social e instabilidade. Os policiais e bombeiros precisam ter assegurados os seus direitos e a sua dignidade para que possam assegurar os nossos direitos e a nossa tranquilidade. Afastar-se disto é ser ilegítimo para exigir. A grave crise instalada é um momento ímpar para se discutir os problemas históricos destas corporações. Deve-se racionalizar quais reformas são necessárias para acabar com o ciclo de problemas. Democratizar estes corpos funcionais é imperioso. Estabelecer um corpo policial de ciclo completo, bem remunerado, desmilitarizado, com corregedorias externas, com investimento em inteligência é reivindicação escutada há muito tempo. Será que essa janela não nos pode permitir a entrada destas importantes reformas estruturais na casa dos policiais e bombeiros? Não podemos falar em polícia cidadã fazendo os seus servidores trabalharem na lógica da guerra, treinada para matar o inimigo, mesmo que este seja um compatriota que eventualmente esteja transgredindo a Lei. No Brasil de agora a Polícia que mais mata também é a que mais morre. A lógica militar no caso da polícia deveria ser brutalmente discutida. As greves que no início do século passado eram tratadas como caso de polícia e hoje são direito de todos trabalhadores são negadas aos policiais pelo fato destes trabalhadores, mesmo aviltados por condições extremas de insegurança e insalubridade, não poderem exigir direitos pelo simples fato de serem servidores militares. Queremos Polícias e Corpos de Bombeiro Cidadãs para atuar num Estado Democrático de Direito. Não desejamos a desordem por certo. Devemos como já dito e reafirmado muitas vezes ao longo deste artigo ver a atual crise da Segurança Pública sobre o prisma da oportunidade. Temos sim uma grande janela e devemos abri-la.
Everton Gomes, Inspetor de Polícia Civil, Mestre em Ciência Política e Bacharel em Direito, Aluno do Curso de Especialização em Segurança Pública, Cultura e Cidadania da UFRJ, além de Diretor do Sindicato dos Policiais Civis do Estado do Rio de Janeiro.