Era praticamente véspera de Natal, quando crime cometido em um dos endereços mais centrais da capital federal chocou os brasilienses. Na manhã do dia 22 de dezembro, o corpo de Ricardo Pio Rodrigues, 42 anos, foi achado por vigilantes, caído em uma área verde próxima ao Pavilhão de Exposições do Parque da Cidade.
Além da marca de violência evidente – um tiro de calibre .38 atingiu o peito de Ricardo –, as circunstâncias em que a vítima foi encontrada evidenciaram uma característica daquela região: apesar de o local ser um dos pontos mais nobres do Plano Piloto, onde circulam famílias inteiras em busca de lazer, ali funciona um submundo do sexo – uma espécie de drive-thru da lascívia, onde o risco é alto, mas a transa é garantida.
Durante três dias, o Metrópoles acompanhou a rotina do lugar que foi palco do homicídio recente, ainda sob investigação. O inquérito para apurar a morte de Ricardo, instaurado na 1ª Delegacia de Polícia, foi relatado nesta semana, e o principal suspeito, indiciado. Ele é apontado como ex-namorado da vítima, quem trabalhava como despachante operacional técnico da Latam, baseado no Aeroporto JK. O suspeito está preso temporariamente por 30 dias.
Sexo sem pudor
Quem chega ao Parque da Cidade pela entrada do Departamento de Polícia Especializada (DPE) e segue no sentido do Setor de Indústrias Gráficas (SIG) passará por pontos tradicionais, como os restaurantes Alpinus e Gibão. Um pouco mais adiante, ainda pela pista que margeia a localidade, há o Pavilhão de Exposições. Os encontros sexuais à luz do dia ocorrem na área verde e nos dois estacionamentos colados nesse centro de eventos.
Como se atuassem em um filme erótico, os homens transam sem nenhum constrangimento. Em geral, não são casais. Grupos de quatro a cinco pessoas dividem experiências sexuais, promovendo um bacanal nos jardins do Parque da Cidade. No mesmo ambiente, simultaneamente, é possível flagrá-los se masturbando, fazendo sexo oral e anal em conjunto. Quando o clima esquenta, sob a claridade do meio da tarde, formam-se até filas para a prática sexual.
Com uma câmera escondida, a reportagem filmou várias cenas explícitas de sexo no lugar conhecido por Jardim do Sussurro. Os encontros, em geral, não são agendados, mas aparentemente casuais. Os frequentadores circulam de carro pelo local, em busca de uma companhia que os agrade.
Os sinais são conhecidos, seguem o seguinte padrão: um carro encosta no outro, os vidros estão abaixados, e as portas, semiabertas. É a senha para o encontro, que pode ocorrer dentro do veículo ou do lado de fora, em cima do capô, na grama, ou agarrando-se aos troncos das árvores. No espaço, existem ainda bancos de concreto apelidados de “sofá da Hebe”. Os assentos sem nenhum conforto também funcionam de apoio para a pegação.
Não é preciso mais de uma tarde para testemunhar cenas que são, segundo o Código Penal, tipificadas como atos obscenos. É difícil explicar em palavras o conteúdo revelado pelos vídeos. Homens que gostam de ver e serem vistos enquanto fazem sexo sem nenhuma proteção. Uma mesma pessoa é capaz, em um espaço de meia hora, de se relacionar com três ou quatro parceiros diferentes, sem nem sequer conhecê-los.
Durante a apuração, a equipe foi abordada por um dos frequentadores: “O que você curte, passivo, ativo? Sabe o que eu estou pensando? Estou a fim de ‘piroca’. O que você já fez? Me conta”.
Em um outro momento constrangedor, os repórteres encontraram, entre as mangueiras, um senhor de meia-idade. De aparência distinta, o homem grisalho vestia calça jeans e camisa polo listrada. A bizarrice é que ele estava com o zíper aberto, segurando o órgão sexual. De sotaque mineiro e com a naturalidade de quem cumprimenta um conhecido, o homem atualizou seu status: “Puxa, acabei de gozar”. Era como se estivesse desculpando-se aos dois interlocutores por não ter esperado para uma transa.
Os repórteres perguntam ao senhor: “Você gosta de assistir?” E o homem responde assertivamente. A alguns metros dali, um casal também fazia sexo. Veja no vídeo.
Nem mesmo quem frequenta o local a trabalho resiste às tentações da sacanagem. Na tarde da última quinta-feira (25/1), um ambulante vendia Red Bull e cerveja aos frequentadores do local, quando ele mesmo resolveu fazer uma pausa no expediente. Por alguns minutos, deixou as duas caixas de isopor posicionadas na caçamba de uma S10, abriu a braguilha e se masturbou. Assim, sem qualquer preocupação de ser notado.
No dia seguinte, o mesmo ambulante se envolveu em mais uma dinâmica sexual: por volta das 18h, uma Fiorino timbrada com o nome de uma empresa de alimentos parou o carro em frente ao local onde o vendedor faz ponto. Ele abriu a janela, e o comerciante se aproximou do veículo. Sem trocar palavras com o motorista, o autônomo simplesmente abriu as calças para receber sexo oral, feito pela janela do carro. O ato terminou em poucos minutos. Então foi a vez de o primeiro retribuir, ainda pela janela do automóvel. Embora os dois, ao que tudo indica, não se conheçam, a relação não é de prostituição.
Na maior parte das vezes, não há dinheiro envolvido. Mas, ao notar a oportunidade de faturar, o ambulante ofereceu seus “serviços” por R$ 50, conforme comprova o primeiro vídeo desta reportagem.
Muitos dos carros que circulam por ali, com passageiros em busca do fast-food do sexo, são sofisticados, de alto padrão. Os horários de almoço e de final de expediente, por volta do meio-dia e das 18h, são quando o local fica mais movimentado. A aparência dos homens que encostam por lá é a de quem está saindo do trabalho. Durante os três dias em que o Metrópoles esteve no local, a equipe observou a presença de apenas uma mulher, quem estava com um grupo de amigos. Dançaram, beberam, mas não fizeram sexo.
No mesmo período de apuração, a reportagem não encontrou nenhuma viatura da polícia ou da vigilância privada do Parque da Cidade.
Cinquenta passos separam a ciclovia, onde as pessoas correm, andam de bicicleta e de patins, do reduto de sexo ao ar livre. Um dos sinais de que o local da pegação está próximo são as camisinhas espalhadas pelo gramado.
Semanalmente, circulam no Parque da Cidade uma média de 50 mil pessoas, potencial plateia para as cenas eróticas exibidas no Jardim do Sussurro. O artigo 233 do Código Penal brasileiro define a prática de obscenidade em lugar público ou exposto ao público como crime cuja pena é detenção de 3 meses a 1 ano, além do pagamento de multa.
Questionado pelo Metrópoles sobre a recorrência da prática sexual nos estacionamentos do Parque da Cidade, o administrador do local, Alexandro Ribeiro, disse que essa é uma questão ligada à segurança pública. Mesmo sabendo que o fenômeno é recorrente, o gestor lavou as mãos e não apresentou nenhum plano para coibir a prática criminosa.
Administrador do segundo maior parque urbano do mundo, Alexandro atribuiu a responsabilidade aos órgãos de segurança. “O Parque, enquanto espaço público, recebe o apoio das forças de segurança para monitorar a área”, disse o gestor.
Especialistas em segurança pública, no entanto, são categóricos ao afirmar que a solução para esse tipo de problema pode ser planejada a partir de uma administração mais zelosa, que se preocupe em ocupar os espaços com atividades para atrair a população.
“O que ocorre no Parque é a teoria das janelas quebradas. A sensação de ociosidade de um espaço tende a aumentar o abandono dele. A ausência de manutenção dos espaços públicos afasta a população e atrai a prostituição e o tráfico de drogas, por exemplo”, explica o consultor em segurança pública Aderivaldo Cardoso. Ele aponta ainda que a segurança no local onde o sexo é praticado ao ar livre não é suficiente.
Os casos à luz do dia refletem a ausência de policiamento. Quantos PMs temos na área? Até que ponto os vigilantes estão atendendo a demanda? O que revelam, nesta reportagem, tende a ser o resultado de um espaço que não é ocupado pelas pessoas ou pela polícia. Quando falamos de segurança, precisamos focar a redução do espaço de atuação do criminoso“
Insegurança generalizada
Além dos riscos inerentes à criminalidade, a prática do sexo casual no Parque da Cidade expõe uma questão de saúde pública. De acordo com a infectologista Joana D’arc Gonçalves, da Aliança Instituto de Oncologia, ao ter relações sexuais em um ambiente hostil e aberto como o Parque, as pessoas estão vulneráveis a possíveis lesões e machucados. “Essas lacerações favorecem a penetração de micro-organismos e bactérias. Além disso, a escuridão do local também pode impedir que a pessoa veja as partes íntimas do parceiro, e isso dificulta a identificação de alguma lesão que sugira doenças como o HPV”, explica.
Ainda, a infectologista ressalta que, no sexo resultante de ações intempestivas, normalmente os parceiros não fazem a profilaxia (medidas preventivas) de maneira correta. “Na maioria das vezes, o casal se esquece de usar ou nem tem camisinha no local”, considera a médica. E acrescenta: “Muitas pessoas são assintomáticas, ou seja, não apresentam sintomas de doenças como HIV, candidíase e sífilis. Por isso, é um engano apostar apenas na aparência supostamente saudável de um parceiro”.
Mesmo sem ter relações sexuais, os frequentadores do Parque da Cidade também correm risco de contágio. “O sêmen presente em camisinhas deixadas no local representa grande ameaça de infecção. Alguns vírus, como os de hepatite B e C, sobrevivem na superfície durante muito tempo. Qualquer um que entre em contato está exposto”, conclui a médica.
A PM, em nota, informa que o policiamento no Parque é feito por equipes em viaturas e motocicletas, além de um posto comunitário de segurança na entrada do estacionamento do Parque Ana Lídia. Em dias e horários de maior incidência criminal, há um reforço no patrulhamento.
Segundo a corporação, pessoas são frequentemente abordadas nesses estacionamentos e, não havendo indícios de crimes, são liberadas.
De acordo com a Secretaria de Turismo, foi realizada em 2017 uma reunião com a Secretaria de Segurança Pública, a PM, o Corpo de Bombeiros, o Departamento de Trânsito do DF e a Vara da Infância e Juventude, além da Diretoria de Promoção de Direito de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, a fim de alinhar estratégias de ações em relação às práticas sexuais ilegais recorrentes nos estacionamentos 1 e 2 do Parque da Cidade.
Ainda segundo a pasta, o Parque conta com o patrulhamento da PMDF e equipes de vigilância patrimonial, que trabalham em três turnos diários, com 14 agentes em cada período. Também faz parte da segurança o regimento de cavalaria montada. As equipes utilizam carros e motos para transitar no local.
Enquanto isso, parceiros transam ao longo de todo o dia, sem serem incomodados.
Colaboraram Hugo Barreto, Ian Ferraz e Raquel Martins Ribeiro.
Fonte: Portal Metrópoles – Texto de Carlos Carone