Há uma semana, a etapa de Berlim (Alemanha) marcou a volta da World Series (Circuito Mundial de Natação Paralímpica) após cerca de oito meses de interrupção, devido à pandemia do novo coronavírus (covid-19). Apesar de o Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) não ter enviado delegação, o Brasil foi representado pelo paranaense João Lucas Bezerra, de 20 anos, entre os cerca de 400 nadadores de 11 países que estiveram na capital alemã.
O nadador da classe S9 (deficiência físico-motora) disputou cinco provas e conquistou a medalha de bronze dos 50 m borboleta, prova na qual alcançou a final B, que reúne atletas que obtiveram do nono ao 16º melhor tempo das eliminatórias. Ele também foi a final B nos 400 metros livre e nos 100 m costas, além de atingir a melhor marca da vida nos 50 m livre: 29 segundos e 66 centésimos.
“Foi muito bom, uma experiência única estar na primeira competição desde a pandemia. Pude aprender como é uma competição europeia, mais acirrada, com eliminatória de manhã e a final à tarde”, diz João, que foi atropelado aos 15 anos, teve amputação total da perna direita e entrou para a natação há quatro anos. “O desempenho foi excelente em algumas provas. Em outras, tenho ainda muito o que arrumar”, completa o jovem de Rio Branco do Sul (PR).
“A competição foi justamente para quantificar e entender o resultado dos treinos. Eu creio que o João é o único brasileiro a competir [internacionalmente] desde março. É importante essa retomada”, avalia Rui Menslin, técnico do nadador e da equipe da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Segundo ele, o saldo foi positivo, ainda mais considerando as restrições de treinamento da pandemia.
“No início, conseguimos trabalhar por um tempo na academia de um conhecido, que abriu a piscina só para ele. Depois, fechou tudo novamente e o João passou mais de um mês sem treinar na água, com manutenção de força e treinos físicos. Aí, conseguimos que ele retornasse àquele ambiente e treinasse por mais tempo, quase três meses”, conta Rui.
A liberação para realização da competição veio em setembro. A partir daí, João e Rui correram para viabilizar a ida a Berlim, em meio às restrições para entrada de estrangeiros na União Europeia. “Tivemos que realizar os testes [da covid-19] 48 horas antes de pisar lá e os resultados tinham que sair negativos. Foi bem estressante, porque as passagens e a hospedagem já estavam compradas e não tínhamos certeza de que daria certo. Seria dramático se não desse, com o valor do euro nas nuvens”, recorda o técnico.
O torneio não teve público liberado e o número de participantes foi limitado. Além disso, nadadores, comissão técnica, organização e voluntários teriam que seguir medidas de segurança sanitária durante o evento. “Precisávamos sempre manter distância de 1,5 m, ter a temperatura medida na chegada, evitar contato com outras pessoas e usar máscara até mesmo na borda da piscina”, descreve João.
A competição reuniu vários medalhistas de ouro no Mundial do ano passado, principalmente alemães e espanhóis. Devido ao controle da pandemia ter se dado antes na Europa que no Brasil, atletas do Velho Continente puderam retomar as atividades antes. O que, para Rui, não teve grande impacto. “Ninguém teve tempo para um treino mais sólido. A gente percebeu poucos recordes alemães ou de jovens. Mesmo os [nadadores] que a gente conhece ainda estão nadando abaixo”, avalia o técnico.
“Claro, alguns tiveram o privilégio de treinar em piscina há mais tempo, então, querendo ou não, há diferença. Mas não acho que a discrepância foi tão grande”, concorda o nadador.
Jogos em vista
João, é claro, sonha com a Paralimpíada de Tóquio (Japão) em 2021. O desafio é atingir os índices do Comitê Paralímpico Internacional (IPC, sigla em inglês) e do CPB – que são mais exigentes que os internacionais. Nos 50 m livre, por exemplo, a marca mínima do IPC na classe S9 é de 26 segundos e 74 centésimos. Isso significa que o paranaense tem de baixar em pouco mais de dois segundos o tempo que alcançou em Berlim para se credenciar aos Jogos.
“Brigar por Tóquio é muito complicado por conta do meu começo de treino. São só quatro anos. Outros atletas da minha classe tem 10, 11 anos de experiência. Ainda sou novo, tenho de treinar. Outros ciclos vão se iniciar. Penso nisso [Tóquio] todo dia e nado por isso. Mas sei que é complicado”, reconhece o nadador. “Escutei muito do Rui para manter os pés no chão e aprender a cada dia”, completa.
Por outro lado, a luta por vaga nos Jogos de Paris (França), daqui a três anos, é uma realidade considerada mais concreta pelo técnico “Em função da idade, da estrutura, do crescimento dele, não tenha dúvida que ele brigará sim por 2024. Esse ano, ainda temos um bom percurso até a seletiva [para Tóquio], em março, abril ou maio. Os índices são baixos, fortes, então vamos planejar para 2021, mesmo sabendo das dificuldades. Em cima disso, caso não ocorra, a gente replaneja e reestrutura para 2024, onde as possibilidades são grandes e claras”, conclui Rui.
World Series
A etapa alemã seria a sétima e última do Circuito Mundial, iniciado em fevereiro, na Austrália – que não teve a participação de brasileiros. As cinco disputas seguintes foram suspensas ou canceladas, em razão da pandemia. Entre elas, a de São Paulo (terceira), que seria em abril, no Centro de Treinamento Paralímpico. O CPB chegou a enviar 19 atletas para a etapa de Lignano Sabbiadoro (Itália), mas eles só foram informados que o evento não ocorreria ao chegarem no país europeu.