Mais uma vez retorno a Monografia, intitulada, Desmilitarização das polícias – Uma mudança cultural ou uma questão de sobrivência?
Apresento aos leitores o subcapítulo que aborda o auge da influência militar nas polícias. É necessário entendermos nossas origens para compreendermos nosso presente!
A filosofia militar é alicerçada na Burocracia Weberiana, algo difícil de ser desconstruído. Não podemos acabar com o militarismo, mas podemos acabar suas DETURPAÇÕES!
Mesmo as polícias não militares utilizam a administração focada nesse modelo. O controle é a base…
Compreendendo como nos tornamos esse “hibrído” de policia e militar poderemos adquirir uma identidade, o que poderia minimizar nossos conflitos.
No capítulo I, Histórico do surgimento das polícias, dando ênfase às militares inicia-se a discussão a partir do surgimento da sociedade, que teve como conseqüência a necessidade de um controle social para aqueles que descumpriam o contrato social firmado entre os membros da sociedade.
Procura-se reconstituir os aspectos da formação das primeiras forças policiais no Brasil e seu aspecto doutrinário. Buscam-se também as origens da Polícia Militar do Distrito federal e da policia civil de Brasília, em que percebemos também a influência militar, pois essa foi originariamente criada a partir da Guarda Especial de Brasília (GEB).
Aborda-se ainda nesse capítulo, a Influência militar na formação policial. Como as Forças Armadas influenciaram a formação dos policiais militares, principalmente nos governos do Estado Novo e da Ditadura Militar que perdurou até o início da redemocratização do país anos 90 (considero após a Constituição de 88 e não 85).
1.1– Ápice da influência militar
A Revolução de 1930 foi deflagrada com a promessa de transformar o Estado, Getúlio Vargas, chega ao poder com a intenção de inaugurar uma nova ordem política num Estado forte o suficiente para conduzir a sociedade a novos rumos. O golpe pôs fim ao arranjo político da Primeira República e a polícia seria de fundamental importância na construção e manutenção do regime autoritário.
Nesse contexto, a polícia iria assumir papel de fundamental importância na construção e manutenção desse regime autoritário. Suas tarefas foram ampliadas, cabendo agora também o controle dos grupos políticos dissidentes. Aqueles vistos como inimigos do Estado (comunistas, judeus, dissidentes políticos, entre outros) deveriam ser vigiados e controlados, juntamente com as classes pobres perigosas. (COSTA, 2004:94)
Para se adequar aos novos tempos foram realizadas várias mudanças nas polícias. Nos primeiros meses de seu governo, Vargas, promoveu uma ampla reforma nos quadros da Polícia Civil do Distrito Federal e dos estados, exonerou delegados e os substitui por pessoas de estrita confiança do regime.
Em 1933 ele decretou que a polícia do Distrito Federal passaria a subordinação suprema do presidente da República e sob a superintendência do Ministro da Justiça e Negócios Interiores. Em resumo, a polícia ficou sob o controle direto do presidente da República, inclusive as policias estaduais, pois nos estados as polícias civis passaram a ser reportar diretamente a polícia do Distrito Federal e ao presidente, que indicaria o chefe e a quem estas deveriam se reportar diretamente. Nesse contexto, a vigilância política nacional, ficou centralizada no Distrito Federal, cuja Polícia Civil coordenava as ações dos policiais dos demais estados.
Na falta de um serviço secreto formal, o presidente improvisou com o que tinha em mãos. Nos últimos oito anos dos quinze que durou sua primeira gestão, quando se enveredou pelo autoritarismo do Estado Novo, Getúlio converteu a Polícia do Distrito Federal (comandada pelo protofascista Filinto Muller) e o Ministério da Guerra, dirigido por Eurico Gaspar Dutra, em verdadeiros serviços secretos clandestinos. Ambas as instituições procuraram não decepcionar, sobretudo na caça aos inimigos do governo. Filinto Muller foi especialmente dedicado a função. (FIGUEIREDO, 2005:42)
Entre 1933 e 1942 houve apenas um Chefe de polícia do Distrito Federal: Filinto Muller, homem temido por seus métodos violentos e autoritários e muito respeitado pelo apoio político que recebia de Vargas. Inicia-se assim, a militarização do Estado, tendo a Polícia Militar do Distrito Federal como peça fundamental na formação do “esquema militar ” para a manutenção do poder nos anos 50.
A militarização do Estado é entendida freqüentemente como o exercício do poder pelos militares e seus representantes, sem o fundamento da manifestação livre da cidadania. Como são antípodas a manifestação livre da cidadania e a militarização (que expressa o afastamento da democracia e a conseqüente ocupação militar do poder de Estado), os sinais mais evidentes da militarização são a repressão política, o controle da vida cultural, a supressão das liberdades, a desconsideração da diversidade, a identificação do inimigo ideológico nos movimentos sociais, o controle dos sindicatos e dos meios de comunicação, a censura etc.” (MATHIAS, 2000:14)
Pode-se afirmar que as mudanças implementadas pela Constituição de 1934, no que tange ao aparato policial, não sofreram modificações. Segundo COSTA “em 1946, com o fim do regime autoritário, a organização policial foi parcialmente reformada. Restabelecendo-se o controle dos governadores sobre as polícias. Entretanto, manteve-se quase intacto o sistema de vigilância política criado por Vargas”. (2004:97).
A exemplo da era Vargas, o aparato policial foi utilizado para conter a oposição política. Para tal, usou e abusou a repressão, da tortura e das prisões. A violência policial foi o instrumento utilizado contra a dissidência política. Entretanto, diferentemente do que ocorreu na ditadura de Vargas, não foram às polícias que passaram a controlar a repressão política, mas as Forças Armadas que nesse período, detiveram o monopólio da coerção político-ideológia. (COSTA, 2004:97)
O golpe militar de 1964 estabeleceu um regime altamente burocrático e autoritário que se estendeu até 1985 e deixou suas marcas até os dias atuais. O regime ampliou o poder das Forças Armadas e restringiu a participação política. A violência policial foi disseminada à época, por meio de torturas, repressão excessiva e prisões ilegais, e seus métodos ainda sobrevivem no meio de nossas polícias, pois os policiais que atuaram em tempos de ditadura hoje ainda ocupam funções de comando dentro das corporações policiais, da mesma forma, que a maioria daqueles que apoiaram o regime militar permanecem no Congresso Nacional.
O golpe ocorrido em 1964, segundo as concepções da ideologia de segurança nacional, precisou contar com uma força militar auxiliar, subordinada, treinada para responder aos possíveis atos de guerrilha desencadeada por organizações que contestaram a ditadura pela via da luta armada.
Para tanto, foi necessário reorganizar o aparato policial existente, expandindo seu papel e submetendo-o ao controle das Forças Armadas, especialmente o Exército. A Constituição Federal de 1967, seguindo a tradição brasileira, manteve as polícias militares como forças auxiliares do Exército. Entretanto, introduziu uma novidade: a fim de facilitar o controle do aparato policial, extinguiu as guardas civis e incorporou seus efetivos às polícias militares, que passariam a ser as únicas forças policiais destinadas ao patrulhamento ostensivo das cidades. (COSTA, 2004:97)
Apesar das polícias estarem sob o comando dos governadores nessa época, cabia ao Ministro do Exército aprovar as nomeações, feitas pelos chefes do executivo local, dos comandantes das polícias militares. Além disso, oficiais das Forças Armadas eram freqüentemente apontados para dirigir a Polícia Federal, as secretarias de Segurança Pública e as polícias militares estaduais. A política de segurança pública nos país foi influenciada pelas Forças Armadas durante um longo período e se estende na contemporaneidade perpetuando o pensamento da época, dificultando-nos a quebra de paradigmas.
Em abril de 1977, transferiu-se para a justiça militar a competência de julgar policiais militares acusados de cometer crimes contra civis. Esta medida completou um amplo processo de redefinição do papel das polícias militares. O caráter militar da polícia foi ainda mais acentuado. Sua missão de promover uma guerra contra o crime foi confirmada pelo Código Penal Militar. Dada essa “hipermilitarização ”, as fronteiras entre polícia e Exército tornaram-se cada vez mais tênues.(COSTA, 2004:98)
Com a transição política para a democracia o aparato repressivo da época foi desmontado parcialmente, pois no que diz respeito às polícias, boa parte foi mantido. É importante ressaltar que a Constituição Federal atual, de acordo com o artigo 144, § 6º, mantém as Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares ainda na condição de forças auxiliares e reserva do Exército. As polícias civis e militares continuam sob o controle dos governadores, mas sua organização e funcionamento são regulados por lei federal, ou seja, os governadores nomeiam os chefes e comandantes das polícias, mas não podem reestruturar individualmente o aparato policial.
Sendo a polícia etimologicamente ligada a política pode-se concluir que a polícia continua expressando o pensamento do governo. Assim, sob a égide de um Estado Democrático de Direito, deve-se também rever nossas polícias, pois existem várias deturpações atualmente, de acordo com AMARAL, “a expressão polícia civil é pleonástica e polícia militar, pior ainda, é contraditória. E isso não é erro/desvio etimológico, é também fonte de deturpações institucionais” (2003:73).
Uma deturpação é o fato das polícias ainda permanecerem militares e como força auxiliar e reserva do Exército. Esse fato está ligado a “política dos governadores” e a visão militarizada da função policial, que mantém uma visão autoritária das funções de polícia, o que também pode explicar a resistência aos novos conceitos de polícia, como o de “Polícia Comunitária ” e a mudança de paradigma no que se refere aos Serviços de Inteligência das polícias, pois deve-se reduzir a Inteligência de Estado , que nos moldes atuais continua controlando intensamente os movimentos sociais, e investir na Inteligência Policial , ou seja, menos intervenção nos movimentos sociais e um combate mais efetivo contra o crime.
1- Segundo o autor, a expressão “hipermilitarização” foi emprestada de Pinheiro, 1991b:172.
2- Utilizou-se a expressão “política dos governadores” na expectativa de chamar a atenção para o fato de que os governadores estaduais são os verdadeiros comandantes das polícias, e que esses não tem interesse em ter uma tropa desmilitarizada, pois os militares se submetem a rígidas normas que facilitam o controle dos governadores, principalmente quando aqueles cobram melhorias nos locais de trabalho e salariais.
3- O policiamento comunitário expressa uma filosofia operacional orientada à divisão de responsabilidades entre polícia e cidadão no planejamento e na implementação das políticas de segurança. O que em um modelo militar se torna contraditório, pois o militar se acha superior ao “paisano” e não gosta de se misturar com ele, muito menos se sentir subordinado a ele ou dividindo tarefas.
4- A definição utilizada nos cursos da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) é a de que a inteligência tem por objetivo: A obtenção, análise e disseminação de conhecimentos dentro e fora do território nacional sobre fatos e situações de imediata ou potencial influência sobre o processo decisório e a ação governamental e sobre a salvaguarda e a segurança da sociedade e do estado (Lei n. 9.883, art. 1º, parágrafo 2º).
5- Inteligência Policial: Lida basicamente com as questões de investigação e prevenção ao crime e da repressão aos criminosos. É através das atividades da produção do conhecimento que se pode sistematizar informações para auxiliar o trabalho da prevenção e repressão, não só no combate ao crime organizado, mas também ao crime comum.
Cardoso, Aderivaldo Martins – Desmilitarização das polícias – Uma mudança cultural ou uma questão de sobrevivência? – UCB (2007)